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Foto: Divulgação / Sociedades Bíblicas Unidas

Bíblia para todos

O trabalho de tradução das Escrituras para línguas minoritárias tem avançado em todo o mundo, mas ainda há muito a se fazer

Por Evandro Teixeira

A primeira tradução da Bíblia aconteceu nos tempos do sacerdote e escriba Esdras e do profeta Neemias. E leram o livro, na Lei de Deus, e declarando e explicando o sentido, faziam que, lendo, se entendesse (Ne 8.8). Naquele momento, esses homens tiveram de traduzir oralmente a Palavra do Senhor, uma vez que, após 70 anos de exílio na Babilônia, o povo passou a falar aramaico e já não dominava o hebraico, o idioma das Escrituras Sagradas. Estudiosos do tema afirmam que a mais antiga tradução escrita do Texto Santo é a Septuaginta, versão grega do Antigo Testamento feita entre os século 3 a.C. e 1 a.C. no Egito, existente até hoje.

O secretário-geral da SBU, Dirk Gevers, celebrou: Os esforços coletivos das equipes das SBU entregaram textos das Escrituras em vários formatos para uma em cada oito pessoas em todo o mundo
Foto: Divulgação

Atualmente, a Bíblia completa está disponível em 743 idiomas falados por 5,96 bilhões de pessoas. Considerando que a população mundial é de 8 bilhões de habitantes, significa dizer que mais de 2 bilhões de pessoas, falantes de cerca de 1.500 línguas e dialetos, ainda não têm acesso à Palavra em seu idioma ou dialeto materno.

Diante desse desafio, diversas organizações trabalham incansavelmente para traduzir o Livro Sagrado para o maior número possível de idiomas. Como resultado, traduções da Palavra de Deus em 106 línguas alcançaram mais de 1,25 bilhão de pessoas somente em 2023. Mais de 70% dessas traduções foram iniciativas ligadas às Sociedades Bíblicas Unidas (SBU). Os esforços coletivos das equipes das SBU entregaram textos das Escrituras em vários formatos para uma em cada oito pessoas em todo o mundo, celebrou o secretário-geral da SBU, Dirk Gevers, ao comentar esse marco alcançado.

A Pra. Marlíria Marinho afirma que a diversidade de línguas e dialetos sem a tradução do Livro Sagrado cria um sentimento de urgência entre os cristãos devido à necessidade de aumentar o acesso dos mais diferentes povos a esse conteúdo
Foto: Arquivo pessoal

O secretário de Traduções e Publicações da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), que é ligada às SBU, Paulo Roberto Teixeira, reitera que esse foi um ótimo resultado, diante da complexidade inerente ao trabalho de tradução, o qual exige tempo e disciplina. “Reflete a seriedade e dedicação das equipes, das pessoas e das organizações que apoiam esse projeto. Ter acesso à Palavra de Deus na língua do coração é essencial para o desenvolvimento pessoal e o crescimento comunitário”, pontua ele. [Leia, no final desta reportagem, o quadro Passo a passo]

Sentimento de urgência – A Bíblia completa está disponibilizada nas principais línguas do mundo, como inglês, francês e espanhol, e há traduções em línguas locais, como o quéchua (Equador), o swahili (Quênia), o tagalog (Filipinas) e o guarani mbya, uma das três variedades modernas da língua falada pela população indígena do Brasil. O desafio agora é encontrar meios de traduzir a Bíblia para as línguas que não possuem uma única porção dela.

O Pr. Epitácio Vieira de Santana reconhece a importância de se alcançar cada vez mais gente com a Palavra, mas alerta para o cuidado com a excelência das traduções e a qualificação dos profissionais envolvidos
Foto: Arquivo pessoal

Na opinião da Pra. Marlíria Marinho, da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Santa Luzia, Boa Vista (RR), a diversidade de línguas e dialetos sem a tradução do Livro Sagrado cria um sentimento de urgência entre os cristãos devido à necessidade de aumentar o acesso dos mais diferentes povos a esse conteúdo. “A presença de tradutores se torna essencial para preencher essa lacuna”, defende a pregadora.

Por sua vez, o Pr. Epitácio Vieira de Santana, da Igreja da Graça em Itapeva (MG), reconhece a importância de se alcançar cada vez mais gente com a Palavra, mas alerta para o cuidado com a excelência das traduções e a qualificação dos profissionais envolvidos. Segundo ele, além do conhecimento técnico, é igualmente importante analisar a base teológica do tradutor. “Não podemos permitir que haja alterações indevidas na mensagem original do Texto Sagrado, seja por falta de atenção, seja por desconhecimento ou pouca vivência bíblica.”

O consultor da Associação Missionária para Difusão do Evangelho (AMIDE), Antônio Xavier da Silva, concorda que traduzir a Bíblia exige uma abordagem especial: “Cada contexto, povo e cultura terá suas demandas”
Foto: Arquivo pessoal

O consultor da Associação Missionária para Difusão do Evangelho (AMIDE), Antônio Xavier da Silva, mestre em Linguística Aplicada à Tradução Bíblica, concorda que traduzir a Bíblia exige uma abordagem especial. “Cada contexto, povo e cultura terá suas demandas. Assim, cabe a cada missionário traçar uma estratégia funcional para desenvolver seu trabalho”, afirma ele, lembrando que um exemplar da Escritura em cada idioma é essencial para que se cumpra a Grande Comissão de fazer discípulos de Jesus em todas as nações. “Uma pessoa pode ser evangelizada em um segundo idioma, mas, para alcançar a maturidade espiritual, ela precisa ter acesso ao Livro Santo em sua língua materna”, pontua o especialista, destacando que é fundamental elaborar projetos de tradução para os grupos minoritários.

Bíblia em uzbeque, língua oficial do Uzbequistão
Foto: Reprodução

Maturidade espiritual – Os especialistas entrevistados pela reportagem de Graça/Show da Fé são unânimes ao afirmar que colocar as Sagradas Escrituras à disposição de um povo é um trabalho complexo e vai além do processo de tradução propriamente dito. “Aprendemos a língua materna, fazemos uma análise linguística e desenvolvemos cartilhas de alfabetização. Por fim, traduzimos o Novo Testamento e as histórias bíblicas”, afirma o Pr. Edward da Luz, presidente da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), organização que atua, há mais de 70 anos, desenvolvendo ações de evangelização de povos não alcançados pela Palavra, com foco nos indígenas.

O Pr. Edward da Luz, presidente da MNTB, que desenvolve ações de evangelização de povos não alcançados pela Palavra: “Aprendemos a língua materna, fazemos uma análise linguística e desenvolvemos cartilhas de alfabetização”
Foto: Arquivo pessoal

Em agosto de 2023, a MNTB entregou mais um Novo Testamento traduzido para o povo Oro Win, mais conhecido como pacaás novos, na região de Guajará-Mirim (RO). “Foi uma festa realizada pelos próprios indígenas que emocionou os participantes”, lembra-se o pastor, assinalando que, naquela região, há 55 aldeias espalhadas, das quais 33 possuem igreja estabelecida com liderança indígena. “Nos locais em que a MNTB tem atuado, há cristãos de todas as etnias, com conhecimento sólido e amadurecimento espiritual”, relata Edward da Luz, informando que esse cenário favorável é fruto do trabalho da organização ao longo de décadas. “No entanto, uma vez traduzido o Novo Testamento, o que já é um marco, é necessário pensar no processo de tradução da Bíblia completa, o que demanda mais um grande esforço”, acrescenta ele.

O Pr. Gilson Ricardo da Silva, da MEIB, afirma que é gratificante perceber que os indígenas estão entendendo melhor a mensagem do Evangelho
Foto: ArTo/ Adobe Stock

Trabalho longevo nessa área é desenvolvido pela Missão Evangélica aos Índios do Brasil (MEIB). Há 57 anos, a associação se dedica à evangelização, ao discipulado e ao treinamento bíblico da população indígena. Além disso, assim como a MNTB, a MEIB traduz todo o material para a língua materna dos nativos. Para o Pr. Gilson Ricardo da Silva, diretor da instituição, é gratificante perceber que os indígenas estão entendendo melhor a mensagem do Evangelho. “Precisamos produzir mais material no idioma deles. Por isso, torna-se essencial não apenas dar uma atenção maior à tradução, mas também à catalogação, à escrita e à publicação de produtos diversos na língua materna dos povos como uma forma de reafirmar a identidade deles.”

Nuances culturais – A missionária Jacqueline dos Santos, da Associação Linguística Evangélica Missionária (Missão Além), ressalta que uma das particularidades do processo de tradução reside na diferença entre língua e dialeto. De acordo com ela, a língua é um sistema de comunicação mais abrangente e formal, muitas vezes usado oficialmente por uma nação. Por isso, possui regras gramaticais estabelecidas, que são ensinadas nas escolas. Já o dialeto é uma variação de uma língua específica, falada por uma comunidade menor ou em uma região específica. Isso explica, por exemplo, a existência de diferenças de pronúncia, vocabulário e gramática.

A missionária Jacqueline dos Santos lembra que, no Brasil, são faladas mais de 200 línguas atualmente, e esclarece: “Além do português, há uma grande diversidade linguística, que inclui cerca de 180 línguas indígenas pertencentes a diferentes grupos étnicos”
Foto: Arquivo pessoal

No Brasil, são faladas mais de 200 línguas atualmente. “Além do português, há uma grande diversidade linguística, que inclui cerca de 180 línguas indígenas pertencentes a diferentes grupos étnicos”, esclarece ela, que trabalhou por 20 anos com grupos indígenas na região amazônica, no estado de Roraima. Diante de tais números, é possível notar a grande carência de traduções da Bíblia dentro do país.

O consultor de tradução bíblica da Amide e mestre em Exegese Bíblica e Linguística, Timóteo Bachmann, enfatiza que a complexidade de alguns idiomas dificulta o processo de tradução
Foto: Arquivo pessoal

Segundo Jacqueline, cada povo indígena vê sua língua como única e, por essa razão, rejeita traduções em idiomas ou dialetos semelhantes ao seu. “As nuances culturais e linguísticas são essenciais para que a mensagem seja plenamente compreendida”, explica ela, frisando que os tradutores da Bíblia precisam conduzir o trabalho deles com muita oração e o apoio contínuo da Igreja. “Durante os anos que passei entre o povo da Amazônia, incluindo 12 anos de tradução, percebi a intensa batalha espiritual que acompanha esse processo”, testemunha.

O consultor de tradução bíblica da Associação Missionária para Difusão do Evangelho (Amide) e mestre em Exegese Bíblica e Linguística, Timóteo Bachmann, enfatiza que a complexidade de alguns idiomas dificulta o processo de tradução. Porém, nenhuma barreira deve conter os esforços dos tradutores, que, com a ajuda do Senhor e o apoio das igrejas e de organizações, como as Sociedades Bíblicas Unidas (SBU), devem perseverar nesse trabalho. Afinal, conforme ele pontua, a falta do Texto Sagrado afasta os povos das verdades bíblicas e da salvação em Cristo. “O ideal é que cada povo ou grupo étnico tenha um exemplar da Palavra em sua própria língua. Isso é indispensável para que as pessoas recebam o Evangelho com as palavras que fazem sentido para elas e comuniquem algo em relação às suas realidades.”


1 Comment

  1. Welbert Roberto disse:

    Ótima matéria 💙💙💙

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