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Vivendo o chamado

Desafios e vitórias das famílias cristãs que atuam nos campos missionários transculturais

Por Evandro Teixeira

Pregar o Evangelho é uma missão dada pelo Senhor. As palavras de Jesus registradas em João 20.21 são específicas: Paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós. Todo cristão é chamado a ser um missionário onde estiver. Muitos também são capacitados por Deus para ir a terras longínquas, de costumes e hábitos diferentes e pessoas não alcançadas pelo Evangelho.

O Pr. Luiz Renato Maia diz que os missionários precisam aprender a administrar suas emoções
Foto: Arquivo pessoal

Ir aos confins da Terra é uma tarefa difícil, custosa e perigosa. Embora o chamado missionário floresça primeiro no coração do vocacionado, é impossível cumprir a missão sem planejamento e preparo técnico. O aprendizado de uma nova língua e o conhecimento dos aspectos culturais da população-alvo são tarefas obrigatórias. Além disso, o missionário precisa estar ciente das particularidades desse serviço ministerial e de suas implicações espirituais, psicológicas, geográficas, históricas e financeiras.

O Pr. Luiz Renato Maia, presidente da Missão em Apoio à Igreja Sofredora (Mais) enfatiza que o obreiro transcultural precisa aprender a administrar suas emoções. No caso da Mais, os missionários permanecem, no mínimo, dois anos no campo antes de rever os parentes que ficaram no Brasil. Esse tempo ajuda na adaptação, e, nesse período, pode haver picos de instabilidade emocional: “Se ele retornar antes de concluir o processo, um reencontro familiar pode comprometer o trabalho e até desestimular o obreiro a permanecer no campo”, adverte.

O Pr. Silas Marchiori Tostes pontua que saber o idioma é prioritário e requer dedicação: “Quando a pessoa aprende outra língua na fase adulta, a assimilação é um pouco difícil”
Foto: Arquivo pessoal

O Pr. Silas Marchiori Tostes, 64 anos, presidente da Missão Antioquia, associação atuante na mobilização, no treinamento, envio e cuidado com missionários desde 1997, afirma que a preparação de quem recebe o chamado é fundamental. Para Tostes, esse cuidado é importante, para que, ao entrar em contato com a realidade missionária, o vocacionado consiga vencer as barreiras socioculturais inerentes à tarefa e possa desenvolver um bom trabalho. Em sua opinião, saber o idioma é prioritário e requer dedicação. “Quando a pessoa aprende outra língua na fase adulta, a assimilação é um pouco difícil”, pontua.

A enfermeira Márcia Tostes explica que, mesmo nascendo fora de sua terra natal, os filhos dos missionários estão ligados à nação de origem por intermédio dos pais
Foto: Divulgação

Em se tratando do envio de casais ao campo, é preciso considerar aspectos da vida familiar, pois os filhos — independentemente de onde nascerem – também se tornarão missionários. É o que pensa a enfermeira Márcia Tostes, 61 anos, esposa do Pr. Silas Tostes. Há duas décadas e meia envolvida com missões e autora do livro Filhos longe da pátria (editora Descoberta), lançado em 2011, ela estuda as complexidades inerentes à vida nos campos transculturais para os pequeninos. Eles, assim como os que pertencem a famílias de diplomatas e militares, informa Márcia, são denominados crianças de terceira cultura. “Por causa da frequência com que precisam mudar de país, na prática, eles passam a pertencer a um grupo, e não a uma nação específica”, diz ela, explicando que, mesmo nascendo fora de sua terra natal, os filhos dos missionários estão ligados à nação de origem por intermédio dos pais.

O Pr. Felipe Valeriano Menezes, com sua esposa, Barbara Prates Menezes, e as filhas Isabela (à direita) e Gabriela: desafios na Armênia
Foto: Arquivo pessoal

Adaptação difícil – O Pr. Felipe Valeriano Menezes, 34 anos, e sua esposa, Barbara Prates Menezes, da mesma idade, conhecem bem esses desafios. Desde outubro de 2022, eles servem ao Senhor na Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) na Armênia, pequeno país do Extremo Leste da Europa. Com eles, vivem as filhas Isabela, seis anos, e Gabriela, três. Ao chegar, a família enfrentou um árduo processo de adaptação, especialmente a mais velha, então com quatro anos. “No começo, a gente evitava que ela conversasse virtualmente com amigos brasileiros, porque isso a entristecia.” Na opinião do pastor, é essencial inserir os filhos nas atividades do campo missionário, mas convém que esse envolvimento aconteça naturalmente. “Eles terão o prazer de participar e a compreensão gradual de que fazem parte de uma família missionária.”

O Pr. Rodrigo da Silva Pereira dos Santos, com a esposa, Andreza, e os filhos David, Daniel e Rodrigo em 2009: dificuldades de adaptação
Foto: Arquivo pessoal

O Pr. Rodrigo da Silva Pereira dos Santos, 47 anos, hoje líder da Igreja da Graça na Cidade do Cabo, na África do Sul, concorda com Felipe. Ele relata que seu primeiro campo transcultural foi a Índia, para onde se mudou em 2009 com sua esposa, Andreza Pereira de Abreu Santos, hoje com 47, e os três filhos: o mais velho, David, pastor e missionário, agora com 27 anos, tinha apenas 12 na época; Daniel, 25, e Rodrigo, 21. As crianças passaram por dificuldades nos primeiros anos. “Não puderam ingressar na escola na mesma série em que estavam no Brasil e tiveram de retroceder nos estudos. Mas Deus os ajudou, e eles conseguiram recuperar esse atraso”, pontua Andreza.

Além da adaptação familiar, o líder da IIGD da Cidade do Cabo relata outro desafio enfrentado por quem vive fora de seu país: conhecer e respeitar as complexidades de cada região e saber que determinados assuntos devem ser abordados com cautela. De acordo com ele, a circuncisão bíblica, por exemplo, precisa ser bem explicada na África, pois pode confundir os ouvintes. Rodrigo dos Santos comenta que os homens ainda são circuncidados em algumas comunidades locais, em um processo doloroso, sem quaisquer cuidados de higiene. “Tal situação resulta em sérias complicações e já provocou a morte de muitos jovens”, lamenta.

Os missionários Emerson Brandão Borges e Caitlyn Grace Brandão Borges, com os filhos Avalyn Rae e Jasper: traços culturais a respeitar
Foto: Arquivo pessoal

Servindo ao Senhor na África do Sul e em Moçambique, o casal de missionários Emerson Brandão Borges, 38 anos, e Caitlyn Grace Brandão Borges, 29 anos, fundou a organização Janela Africana. Para o missionário brasileiro, a adaptação cultural não foi tão difícil, porque sua esposa é sul-africana. Ainda assim, Emerson reforça que os traços culturais precisam ser considerados quando a Palavra é ministrada. “É importante entender a maneira como as pessoas pensam. Na África, a abordagem do Evangelho deve ser a mais simples possível”, explica o missionário, pai de Avalyn Rae, três anos, e Jasper Shiloh, oito meses.

Manutenção da obra – Além do respeito aos aspectos socioculturais, o Pr. Leandro José Machado, líder da IIGD em Lisboa (Portugal), salienta que a manutenção financeira da obra é um tema relevante. Leandro ressalta que, no caso da Igreja da Graça, os pastores que servem fora do país são mantidos pelo próprio ministério, graças à fidelidade do povo de Deus. “O Senhor garantiu nossa ida. Deus nos chama e nos sustenta. Dependemos dEle em primeiro lugar”, pontua.

O Pr. Leandro José Machado, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Lisboa (Portugal), salienta que a manutenção financeira da obra é um tema relevante
Foto: Arquivo pessoal

O casal Osias Oliveira dos Santos, 46 anos, e Diana Teixeira de Oliveira, 39 anos, do Projeto Ação, da Assembleia de Deus em Belo Horizonte (MG), serve a Deus em Guiné-Bissau, país tropical da Costa Atlântica Ocidental da África e uma das dez nações mais pobres do mundo. Osias e Diana relatam que dependem exclusivamente de doações para a manutenção de seu trabalho de implantação de igrejas. De acordo com Osias dos Santos, apesar das restrições financeiras, Deus tem provido as condições necessárias para o prosseguimento da obra.

Segundo Osias, os moradores da região também têm um coração doador: mesmo dispondo de tão pouco, eles ajudam conforme suas possibilidades. Assim, apesar do contexto desafiador, os obreiros – pais de Pedro Henrique, 12 anos, e Júlia Vitória, 9 anos – têm convicção de seu chamado. “Não nos vemos em outro lugar, senão onde estamos agora, cumprindo o Ide do nosso Senhor Jesus”, destaca o obreiro, referindo-se a Marcos 16.15 (Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura).

Osias Oliveira dos Santos e Diana Teixeira de Oliveira, com os filhos Pedro Henrique e Júlia Vitória: cumprindo o Ide em Guiné-Bissau
Foto: Arquivo pessoal

Situação parecida com a da família de Osias e Diana vive o casal de missionários Elias Pereira dos Santos, 47 anos, e Ruth Marques Tavares dos Santos, 48 anos, da Assembleia de Deus em Fortaleza (CE), que serve a Deus há 23 anos no Norte da África. Diariamente, eles enfrentam o desafio de buscar parcerias com ministérios que colaborem para o sustento deles e dos filhos – Jonathan, 21 anos, Thalyta Lucy, 14, e Nathan, 10 anos. Elias revela que o filho mais velho, aos 18 anos, decidiu fazer uma formação missionária, mas a família não tinha condições de arcar com esse custo. Então, eles começaram a orar e obtiveram a resposta esperada. “Deus usou pessoas do próprio campo para providenciar os recursos. Passados dois anos, meu filho concluiu os estudos”, comemora. Atualmente, todo conhecimento adquirido pelo jovem Jonathan é usado para a expansão da obra.

Os missionários Elias Pereira dos Santos e Ruth Marques Tavares dos Santos, com os filhos Jonathan (21), Thalyta Lucy (14) e Nathan (10)
Foto: Arquivo pessoal

Os exemplos das famílias citadas nesta reportagem reforçam que é possível superar os desafios do campo transcultural – da adaptação de adultos e crianças às questões financeiras. Com o devido preparo, especialmente emocional, e graças à ação divina, a seara do Mestre chegará a bom termo, pois Ele chama e garante as condições, como Paulo escreveu aos coríntios: E Deus é poderoso para tornar abundante em vós toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, toda suficiência, superabundeis em toda boa obra (2 Co 9.8).


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