Pressão redefinida
11/11/2025
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Mesmo diante da imensa dor da perda, cristãos encontram forças para apoiar outros enlutados

Foto: New Africa / Adobe Stock

Por Marcelo Santos

O luto desencadeia desafios difíceis de expressar. Isso porque a perda de um ente querido, mesmo com a promessa da vida eterna em Cristo, traz uma dor indescritível. Entretanto, para os seguidores de Jesus, a maneira de enfrentar essa profunda tristeza é marcada pela fé, esperança e certeza de que nenhum sofrimento passa despercebido diante dos olhos de Deus. É exatamente esse consolo do Senhor, prometido na Bíblia, que tem mantido de pé a professora aposentada Estela Marins, 63 anos, e o cirurgião-dentista Manoel Marins, 64. Moradores de Niterói (RJ), o casal é membro da Igreja Batista do Caminho, no Centro do Rio de Janeiro (RJ), e pais da jovem Juliana Marins, que morreu aos 26 anos, ao se acidentar em junho deste ano, durante uma trilha no monte Rinjani, na Indonésia, um vulcão ativo com 3.726 metros de altura. O lugar é conhecido por ser extremamente perigoso: o solo está em constante evolução (terreno instável) e é formado por cinzas vulcânicas e fragmentos rochosos, o que o torna escorregadio e propenso a desmoronamento.

Juliana Marins (de blusa branca), com o pai, Manoel, a irmã Mariana e a mãe, Estela: tragédia, comoção nacional e um testemunho de fé
Foto: Reprodução / Instagram

A tragédia que tirou a vida de Juliana provocou grande comoção nacional e ampla repercussão na mídia, inclusive internacional. No entanto, ao mesmo tempo, revelou ao mundo um testemunho de fé. “A dor é imensa, mas, com o apoio da família e da igreja, tenho encontrado forças. A cada dia, compartilho mensagens de esperança nas minhas redes sociais, porque, ao transmitir o que aprendi, ajudo outros que enfrentam o mesmo sofrimento”, relata Manoel. Assim como o marido, Estela expressa que perder um filho é algo inexplicável. “Ainda estou processando que ela não vai mais voltar. Porém, por meio da fé, tenho certeza de que Juliana está com o Senhor. A paz de saber que ela está bem me conforta. Apesar de todo sofrimento, minha filha está em um lugar melhor”, afirma a mãe, reforçando que o suporte dos irmãos em Cristo e dos amigos tem sido fundamental. “Cada palavra de carinho é um abraço de Deus. Recebemos, inclusive, cartinhas de crianças.”

A professora de Ensino Fundamental Cristina Figueiredo explica: “Acredito que conhecer o luto e dialogar sobre ele pode ser também um ato terapêutico”
Foto: Marcelo Santos

Estela se refere às cartas enviadas pelos alunos da Escola Municipal Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis, em Niterói (RJ), por iniciativa da professora de Ensino Fundamental Cristina Figueiredo. Com a repercussão em torno do caso da Juliana, a educadora sugeriu aos alunos que escrevessem aos pais da jovem. “Essas cartas não são apenas palavras, são um abraço coletivo”, ressalta Cristina, que é evangélica e membro da Nossa Igreja Brasileira, em São Cristóvão, na zona norte carioca. Em 2021, quando as aulas voltaram ao presencial após a pandemia de covid-19, a docente propôs aos estudantes debater acerca da finitude humana. “Acredito que conhecer o luto e dialogar sobre ele pode ser também um ato terapêutico”, explica a mestra, indicando que a abordagem do assunto começou com rodas de conversa, além da contação de muitas histórias infantis sobre o tema. “A partir dessas escutas sensíveis e das narrativas compartilhadas, incentivei as crianças a escreverem sobre suas experiências ou sobre o que gostariam de dizer e ouvir quando sentem saudades de alguém querido”, relata a profissional. Ela ressalta que, durante a atividade, os alunos, de nove anos de idade, escreveram frases, como: A gente fica triste porque não vai mais tomar o chocolate tão gostoso da vovó ou O perfume da minha tia não foi embora com ela, ele vai ficar sempre no meu nariz.

O Pr. Daniel Guedes afirma que a fé é a chave para enfrentar as adversidades do luto e prega: “Para os que creem, a morte não é o fim, mas uma passagem”
Foto: Marcelo Santos – modificada por IA

Fé e consolo – De acordo com o Pr. Daniel Guedes, da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Diadema (SP) e professor de capelania na Academia da Graça de Deus (Agrade), a presença do capelão no enfrentamento do luto é essencial. Para ele, o apoio faz diferença não apenas pelas palavras ditas, mas, sobretudo, pela postura de quem o oferece. “O capelão precisa ter coração disponível, olhar compassivo e palavras sábias, mas nunca forçadas. Muitas vezes, o silêncio respeitoso, a presença acolhedora e um simples ‘estou aqui com você’ falam mais do que qualquer discurso”, enfatiza. Na visão do ministro, a fé é a chave para enfrentar as adversidades do luto – a âncora em meio à tempestade –, já os ensinamentos da Palavra de Deus são os alicerces fundamentais para a superação. “Para os que creem, a morte não é o fim, mas uma passagem”, prega Guedes, destacando que, em momentos de angústia, costuma compartilhar o texto de João 11.25: Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. “Essas palavras renovam a esperança”, garante o pregador, que também recorre a versículos bíblicos, como Salmo 34.18 e 2 Coríntios 1.3,4, passagens que oferecem consolo aos que enfrentam perdas. “A dor é real, mas a presença do Senhor ao lado dos que sofrem é um conforto inegável.”

Afonço Santana Araújo Pinto, ao lado da esposa, Vitória Luciane Santana Gama (que perdeu a filha Júlia Vitória, nascida prematuramente), enfatiza: “A dor da perda foi imensa, e a fé, mais uma vez, foi o que nos sustentou”
Foto: Marcelo Santos – modificada por IA

Foi a presença do Todo-Poderoso que sustentou o agente de certificação digital Afonço Santana Araújo Pinto, 27 anos, e sua esposa, a assistente de atendimento Vitória Luciane Santana Gama, 25, moradores de Diadema (SP) e membros da Igreja da Graça. Eles viveram uma sucessão de perdas e situações que colocaram a fé à prova. A começar pelo drama vivido pelo tio de Afonço, que ficou acamado por dois anos devido a um câncer. “Ele sempre falou sobre o amor de Jesus até o último momento, o que nos tocou profundamente. Mesmo na dor, meu tio nos ensinou a manter a nossa fé”, relata o agente.

Pouco depois, Vitória engravidou, notícia que, em meio aquele cenário familiar, proporcionou imensa alegria e esperança. Entretanto, após o nascimento prematuro, Júlia Vitória enfrentou complicações no quadro clínico e faleceu uma semana depois. “A dor da perda foi imensa, e a fé, mais uma vez, foi o que nos sustentou”, enfatiza Afonço, acrescentando que, ao questionarem a razão de tanto sofrimento, ambos se sentiram consolados por Deus ao lerem a Palavra, especialmente o Salmo 121.1,2: Elevo os olhos para os montes: de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do SENHOR, que fez o céu e a terra. Ao avaliar tudo o que passaram, Afonço e Vitória foram unânimes ao dizer que a fé em Jesus lhes deu forças para enfrentar a partida da filha. “Deus nos amparou naquele momento tão difícil. Embora não compreendamos os motivos, temos convicção de que Ele está no controle de tudo”, testemunha Vitória, que, ao lado do esposo, dedica-se a compartilhar sua história com outras famílias enlutadas, crendo que seu testemunho pode ajudá-las a encontrar consolo e esperança em Cristo. “A perda de nossa filha marcou profundamente nossa vida. Fomos transformados, e, a partir dessa experiência, o Senhor abriu novos caminhos para o nosso ministério”, observa Afonço.

Ana Regina da Silva Kobayashi, ao lado do esposo, Hiroshi Kobayashi: ele faleceu em decorrência de um câncer agressivo
Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA

Oração e Palavra – Desde a morte do esposo, Hiroshi Kobayashi, em decorrência de um câncer agressivo, Ana Regina da Silva Kobayashi, 69 anos, tem atravessado as etapas do luto. A história do casal começou há cerca de 30 anos, quando trabalhavam juntos: ela como balconista, e ele, relojoeiro. “Nós nos aproximamos como amigos. Nunca imaginei que, um dia, seríamos marido e mulher”, explica ela, que é membro da Igreja Evangélica Congregacional no Largo do Barradas, em Niterói (RJ). Depois de passarem um tempo afastados, Hiroshi, já viúvo, procurou Ana Regina, que também estava sozinha, e o reencontro transformou a vida dos dois. Passaram a viver juntos e, cinco anos depois, oficializaram a união. “Com ele, desfrutei da vida que sempre sonhei. Ele era amoroso, um excelente pai e um companheiro dedicado”, conta, emocionada. Entretanto, a rotina tranquila foi rompida com o diagnóstico inesperado da doença. “Achava que ele cuidaria de mim, mas foi o contrário. Quando descobrimos, o câncer já estava espalhado”, revela, referindo-se ao processo de metástase.

Ana Regina encontrou apoio na oração, na Bíblia e nos hinos que sempre a acompanharam, como Deus dos impossíveis, Carta para Deus e Rompendo em fé. “Sonhava com os louvores que cantávamos juntos no carro. Ele amava me ouvir cantar”, recorda-se ela, para quem o luto tem sido um tempo de aprendizado e de entrega ao Senhor. “Mesmo na dor, sei que Deus me carrega no colo. O Altíssimo não nos dá um fardo maior do que podemos suportar”, afirma, mencionando a passagem de 1 Coríntios 10.13. Aposentada desde os 55 anos, ela é grata por ter estado mais de duas décadas ao lado do esposo. “A saudade é imensa, mas a fé é o meu consolo. Deus continua sendo o Senhor dos impossíveis.”

A capelã e escritora Eleny Vassão diz que viver o luto genuinamente é essencial: “Há quem pense que o cristão não pode chorar, mas isso não é bíblico”
Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA

Na opinião da capelã e escritora Eleny Vassão, diretora-geral da Associação de Capelania na Saúde (ACS), viver o luto genuinamente é essencial. “Há quem pense que o cristão não pode chorar, mas isso não é bíblico”, afirma, destacando que reprimir o sofrimento impede a cura. “Até o salmista clamou: Até quando te esquecerás de mim, SENHOR? Para sempre? Até quando esconderás de mim o teu rosto?”, citou ela, usando o Salmo 13.1 como exemplo.

Eleny frisa que as perdas não estão relacionadas apenas à morte, mas também a rupturas, doenças e frustrações. De acordo com a autora, a Bíblia oferece exemplos de lamento legítimo. “Davi chorou intensamente por seus filhos. Marta e Maria disseram a Jesus que Ele havia chegado tarde demais, e o Mestre chorou com elas. Se Cristo chorou, nós também podemos”, observa a capelã, asseverando que, ao negar esse estado emocional, o indivíduo prolonga a dor. “Ouvi relatos de lutos não resolvidos que duram décadas. Dizer: ‘ele está com o Senhor’ não elimina a necessidade de chorar”, pondera.

Foto: witsarut / Adobe Stock

Autora dos livros Consolo (ACS Publicações) e Deus está presente: Auxílio de Deus no luto (SBB), Eleny Vassão compartilha experiências pessoais e oferece recursos de apoio aos enlutados. “Distribuímos exemplares dessas obras até em cemitérios. É comovente ver como as pessoas se apegam àquelas palavras, mesmo sem nos conhecer”, expõe. Ela relata que vivenciou o consolo que tantas vezes ofertou a outras pessoas quando perdeu o afilhado Todd, aos 42 anos, vítima de um aneurisma cerebral. “A igreja me sustentou com orações, refeições e cuidado constante”, recorda-se, pontuando que pequenos gestos e a presença da comunidade de fé fazem toda a diferença. “A Palavra de Deus e a oração são fundamentais, mas o abraço da igreja sustenta na hora mais difícil”, testemunha a escritora, citando 2 Coríntios 1.3,4 (Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda consolação, que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados de Deus. “O Senhor nos consola para que possamos consolar os outros. É isso que transforma o luto em missão”, conclui.


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