
Pressão redefinida
11/11/2025
Identidade renovada
Igrejas evangélicas usam estratégias missionárias para reverter a queda do número de cristãos no Velho Continente
Por Evandro Teixeira
No tempo de Jesus, o Império Romano dominava vastos territórios, que incluíam: Península Itálica, Península Ibérica, Grécia, Macedônia, Síria, Egito, Líbia, Península Balcânica, Ásia Menor (abrangendo partes da atual Turquia e outras regiões do leste) e Europa Ocidental (Gália, atual França, partes da Germânia, hoje Alemanha, e Britânia, a Grã-Bretanha de hoje). Durante os primeiros três séculos da Era Cristã, o cristianismo conviveu com muitas ondas de perseguição, as quais resultaram em prisão e martírio de milhares de servos do Senhor. Contudo, a partir do século 4, tornou-se a religião oficial em todo o Império e, ao longo dos séculos, moldou a identidade europeia. Entretanto, passados 16 séculos, a herança histórica da fé cristã tem perdido força no Velho Continente. Um estudo recente do Pew Research Center – empresa de pesquisa norte-americana especializada no levantamento de dados religiosos – revela o abandono dessa identidade em 36 países, sendo dez deles da Europa: Espanha (35% menos pessoas se identificam como seguidoras de Jesus), Suécia (- 32%), Alemanha (- 31%), Holanda (- 30%), Reino Unido (- 29%), França (- 25%), Itália (- 21%), Grécia (- 12%), Polônia (- 4%) e Hungria (- 2%).

Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA
O professor de História Arão Alves lembra que, no decorrer de sua consolidação, a fé cristã europeia adquiriu características diversas, a depender da região e de suas especificidades históricas. Ele pontua que as nações pesquisadas compõem o cristianismo do Ocidente, que se expandiu como religião oficial a partir da conversão do imperador Constantino, no ano 312, dando origem ao catolicismo, o qual se tornaria predominante em todo o continente europeu, especialmente na Espanha, na Itália, em Portugal e na França. Curiosamente, a Espanha, com tradição ultracatólica, registrou os piores percentuais entre os jovens de 18 a 34 anos ouvidos na sondagem: 48% abandonaram a religião em que foram educados e abraçaram outra fé. Entre os adultos com 50 anos ou mais, esse índice foi de 36%.

Foto: Arquivo pessoal
O historiador também analisou os casos da Hungria e da Polônia, que registraram quedas bem menores na identificação com a fé cristã: – 2% e – 4%, respectivamente, conforme o levantamento. No caso da Hungria, o professor observa que, embora a prática religiosa seja reduzida, a identidade cultural cristã segue forte e conta, inclusive, com o apoio explícito do Estado. “A Constituição húngara de 2011 reconhece oficialmente o cristianismo como fundamental para a preservação da nação, entrelaçando fé e identidade nacional.”

Foto: Divulgação / IIGD
O Pr. Luiz Renato Maia, presidente da Missão em Apoio à Igreja Sofredora (Mais), concorda que o governo da Hungria, ao valorizar sua herança religiosa como parte da identidade nacional, contribui para que mais da metade de sua população (de quase 10 milhões de pessoas) se autodeclare cristã (54,6%) – fenômeno ainda menor que o registrado na Polônia, onde 93,8% de seus 38 milhões de habitantes dizem ser cristãos. “Espera-se do verdadeiro crente um compromisso real com as Escrituras Sagradas, incluindo o desejo ardente de compartilhar suas crenças, algo que não ocorre nos países do Velho Continente”, avalia ele, acrescentando um dado preocupante: uma parcela substancial dos entrevistados que se diz sem religião nasceu em um lar cristão. “A secularização e a falta de compromisso das gerações passadas com o cristianismo têm sido um dos fatores responsáveis por esse quadro atual”, lamenta Luiz Maia. O ministro ainda acrescenta que homens e mulheres que guardam os princípios da Palavra e vivem de acordo com eles estão escassos em nações europeias. “É notória a falta de base para seguir a fé dos antepassados.”

Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA
Estratégias evangelísticas – Há mais de 20 anos liderando a Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Portugal, o Pr. Leandro José Machado também coordena os esforços evangelísticos na Espanha. Devido a essa proximidade, ele vem testemunhando o distanciamento da fé por parte dos cidadãos espanhóis, principalmente os mais jovens. Para Machado, tal esfriamento espiritual aconteceu de modo gradativo, afetando diversas gerações que foram perdendo o interesse pela cultura cristã. O pastor ressalta que alguns se identificam como cristãos apenas por tradição. “Na prática, não há o envolvimento de fé nem uma entrega real de vida”, pondera.

Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA
Na opinião de Leandro Machado, mesmo considerando a barreira interposta pelos fatores culturais, é possível alcançar os cidadãos espanhóis, especialmente por meio da juventude. “Essa mudança pode acontecer, mas os resultados positivos devem levar algum tempo para surgir.” Indagado sobre a redução da identidade cristã na população europeia, Machado demonstra otimismo e já vislumbra faíscas de reavivamento. “Focos da atuação do Espírito Santo estão surgindo por todo o continente, com igrejas avivadas e a ocorrência de milagres. Vimos isso nas últimas campanhas do Missionário R. R. Soares realizadas em solo europeu.”

Foto: Arquivo pessoal
A Pra. Valéria Azerrad, líder da Igreja da Graça na Itália, afirma que o país precisa de um avivamento. “A Itália vive a era pós-cristã”, diz ela, citando um estudo de religião encomendado por uma revista de Roma, segundo o qual pelo menos 37% dos italianos se declaram não crentes. “Estamos inseridos em um ambiente marcado por famílias desestruturadas, jovens viciados, comportamentos imorais e mortes”, elenca a ministra, assinalando que, diante desse cenário, não resta outra opção à igreja senão trabalhar bastante. “Acredito no valor de uma obra feita com amor. Mas estou certa de que, perante a nossa realidade, quaisquer estratégias de evangelização devem ser precedidas de muita oração.”

Foto: drimafilm / Adobe Stock
Por sua vez, o Pr. Elvis de Souza Xavier, líder da IIGD na Inglaterra, informa que manifestações cristãs estão ressurgindo no Reino Unido, um lugar dominado por céticos. De acordo com Xavier, as várias tentativas de calar os cristãos vêm sendo respondidas com demonstrações de fé e pregações do Evangelho em ruas, praças e parques. Ele relata que sua primeira impressão a respeito dos cristãos ingleses não inspirou confiança. “Embora reconhecessem a decadência espiritual em que viviam, pareciam conformados com a situação”, observa o ministro, ressaltando, porém, que sua percepção mudou. “Nos últimos meses, tenho visto cada vez mais eventos ao redor de Londres, que estão motivando os crentes a saírem de casa”, garante.

Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA
Elvis Xavier afirma que vem desenvolvendo ações evangelísticas focadas na convivência. “Assimilamos a cultura local e validamos a mensagem por meio da boa conduta da igreja”, explica ele, destacando que ingleses e imigrantes não dão atenção a qualquer pessoa em um primeiro contato. No entanto, depois de um período de interação, quando conhecem o caráter do interlocutor, tornam-se mais propensos a ouvir a Palavra. “Temos conseguido levar a mensagem de Jesus aos lares, resultando em conversões e batismos.”
Desafios da missão – O Pr. Silas Marchiori Tostes, presidente da Missão Antioquia, uma agência interdenominacional atuante na formação e no cuidado de missionários, enfatiza que “um dos maiores desafios na Europa reside justamente na dificuldade de produzir recursos para sustentar a obra no Velho Continente”. Por essa razão, segundo Tostes, alguns ministérios brasileiros – que não conseguem abrir pontos de pregação em solo europeu – optam por enviar obreiros que tenham, preferencialmente, dupla cidadania e um trabalho paralelo que possam conciliar com o chamado ministerial.

Foto: Arquivo pessoal
Na visão do teólogo Amauri Costa de Oliveira, mestre em Ciências da Religião, a maior barreira para realizar missões na Europa atualmente é a militância contrária à fé cristã, exercida por dois inimigos já bastante conhecidos: a atuação dos grupos islâmicos e o movimento dos não religiosos, formado principalmente por aqueles que nasceram em lares cristãos, mas abandonaram a fé. O estudioso avalia que essa queda do número de seguidores de Cristo na Europa está associada a erros cometidos pela Igreja no ensino da Palavra ao longo das gerações. “Não cuidaram de seus filhos a ponto de instruí-los no Evangelho. Assim, surgiu uma geração resistente à fé cristã, com pensamentos favoráveis ao relativismo.”

Foto: Michael / Adobe Stock
O missionário Cleres Pacheco, que trabalha no campo há mais de duas décadas, vem testemunhando essa transformação no continente europeu. Ligado à Missão Antioquia e à Missão Priscila e Áquila (MISPA), ele atua na Polônia e confirma que lá o catolicismo permanece sendo bem forte na população adulta, mas está perdendo fiéis entre a geração Z (nascidos entre meados dos anos de 1990 e 2010). “Nós, evangélicos, temos buscado preencher essa lacuna, mas o progresso tem sido lento porque a frieza espiritual e a revolta contra a religião dificultam as conversões”, testemunha Pacheco, o qual defende uma abordagem nova e ações evangelísticas inteligentes. “Devemos assimilar a cultura da nova geração e tentar entendê-la. Assim, sabendo dos seus interesses, podemos inserir valores cristãos e deixar que o Espírito Santo faça a obra”, opina Cleres. Como os demais personagens desta reportagem, ele encara a atual situação do cristianismo na Europa como uma oportunidade de aplicar novas estratégias missionárias, com bastante cuidado e planejamento, de maneira a engajar os mais jovens, mostrando-lhes que o Evangelho é acessível e fundamental para quem deseja novidade de vida.


