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Foto: Arte sobre fotos de Chaloempong Balpal / 123RF

Perigo iminente

Especialistas alertam para os fatores que podem levar alguém a cometer suicídio

Por Ana Cleide Pacheco

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 40 segundos, uma pessoa no planeta tira a própria vida. Isso significa que mais de um milhão de indivíduos se matam todos os anos. No Brasil, são registrados 12 mil casos de morte autoinfligida anualmente, o que coloca a nação na oitava posição no ranking mundial dos países onde mais ocorrem suicídios. 

Em tempos de pandemia, o cenário tende a se agravar. Em razão da crise sanitária, do isolamento social e dos problemas econômicos, estão aumentando os índices de depressão, doença que eleva o risco de pessoas darem um fim à sua história. [Leia a reportagem sobre esse assunto nas páginas 12 a 17 desta edição] Embora ainda não exista um registro oficial de óbitos sucedidos por suicídio durante o surto do coronavírus – pois os últimos dados disponíveis não englobam o ano de 2020 –, as redes sociais podem dar uma pista. Segundo levantamento feito pela plataforma digital Comunica Que Muda (CQM), em apenas 23 dias do mês de maio de 2020, os brasileiros fizeram, no mínimo, 103.923 menções ao suicídio em suas postagens no Facebook. Ou seja: a cada minuto, pelos menos, três internautas citaram a palavra na rede. A sondagem salientou ainda que os posts ligados ao assunto “suicídio” no Brasil mencionavam, em sua maioria, os termos pandemia, depressão e solidão.  

A cada ano, diversos estudos científicos da área de Saúde Mental são publicados para tentar explicar o que leva uma pessoa a atentar contra a própria vida. Por sua vez, uma pesquisa publicada pelo Jornal Brasileiro de Psiquiatria chamou a atenção para o aumento da tendência ao suicídio entre adolescentes e jovens com idades de 10 a 19 anos. O estudo, intitulado Mortalidade por suicídio de adolescentes no Brasil: tendência temporal de crescimento entre 2000 e 2015, mostrou a influência de séries ou de filmes, o impacto das redes sociais e do universo digital, conflitos relacionados à orientação sexual e à ausência de tratamento adequado como os principais responsáveis pela ascensão da taxa de suicídios. Entretanto, de modo geral, as causas de mortes provocadas não se limitam apenas a fatores tão perceptíveis: em inúmeras situações, não é fácil identificar os sinais que podem alimentar gatilhos ligados ao suicídio. [Leia o quadro Múltiplas causas no final desta reportagem

A psicóloga Marcely Quirino afirma que existem aspectos subjetivos que podem levar alguém a cometer tal ato. “Falar de suicídio é referir-se a pessoas que têm questões de vulnerabilidade emocional e todo um histórico de dor. Não existe causa específica”, destaca Quirino, lembrando que indivíduos que afirmam que vão se matar não falam isso com o intuito único de chamar a atenção. “Em minha prática clínica, já ouvi muitas histórias de pessoas que diziam que iriam se matar e o fizeram”, analisa a psicóloga, membro da Igreja Renascer em Cristo em Niterói (RJ).

A psicóloga Marcely Quirino: “Falar de suicídio é referir–se a pessoas que têm questões de vulnerabilidade emocional e todo um histórico de dor. Não existe causa específica”  – Foto: Divulgação / CHN

Ato de comunicação – A psicanalista e educadora religiosa Georgina Porto, 50 anos, salienta que existem três níveis de risco para o suicídio: o baixo, quando a pessoa tem pensamentos suicidas, mas não tem um plano preparado para concretizar a ideia; o médio, quando, além de pensamentos, há um planejamento elaborado, porém, a longo prazo; e o alto, quando existem os pensamentos e um plano esboçado a ser executado no presente ou a curto prazo. “Sabemos que os maiores riscos se apresentam quando o indivíduo tem os meios, a oportunidade, um plano para o suicídio, e não há algo ou alguém que o detenha. Por isso, a comunicação e a informação são tão importantes, pois fazem com que aqueles que convivem com ele fiquem atentos”, informa Porto, membro da Comunidade Evangélica Jesus Vive, no Maracanã, zona norte do Rio de Janeiro (RJ).

A psicanalista e educadora religiosa Georgina Porto: “Sabemos que os maiores riscos se apresentam quando o indivíduo tem os meios, a oportunidade, um plano para o suicídio e não há algo ou alguém que o detenha. Por isso, a comunicação e a informação são tão importantes” – Foto: Arquivo pessoal

Buscar ajuda profissional pode contribuir bastante para minimizar as chances de alguém desistir de si mesmo. Georgina acredita que sessões de psicoterapia individual e de família podem fortalecer a estrutura individual e os vínculos com os pais, irmãos e cônjuges. Ela explica que, nesses tempos pós-modernos, as pessoas estão distantes e desligadas umas das outras, ainda que estejam na mesma casa. “Não têm o menor vínculo afetivo, não se comunicam, e muitas delas têm preconceito e medo de procurar orientação profissional na área da Saúde Emocional e Mental.”

Especialistas afirmam que o preconceito relacionado à busca de apoio psicológico e psiquiátrico deve ser combatido com campanhas de conscientização, disponíveis a todos, independentemente do nível de formação e da classe social. Para isso acontecer, são necessárias ações de psicoeducação e oferta de serviços de saúde mental (consultas com psicólogos, psiquiatras e acesso a medicamentos), entre outros meios.

Além disso, iniciativas, como Setembro Amarelo – campanha de informação desenvolvida com o objetivo de pôr luz sobre o problema –, são fundamentais. “A primeira medida preventiva é a educação. Devemos falar mais sobre a questão, trazer clareza, compartilhar informações, quebrar tabus. Esclarecer, conscientizar, estimular o diálogo e abrir espaço para campanhas que contribuem para tirar o assunto da invisibilidade e, assim, mudar essa realidade”, defende a psicóloga Carmen Barbosa Leite de Lima, 64 anos. 

A psicóloga Carmen Barbosa Leite de Lima defende: “Devemos falar mais sobre a questão, trazer clareza, compartilhar informações, quebrar tabus. Esclarecer, conscientizar, estimular o diálogo e abrir espaço para campanhas que contribuem para tirar o assunto da invisibilidade e, assim, mudar essa realidade” – Foto: Arquivo pessoal

Carmen Barbosa ressalta que o suicídio é um ato de comunicação, e, portanto, é essencial aprender a identificar seus sinais. Ela acentua a associação de três fatores: os precipitantes (situações da vida que podem ocasionar o problema), os internos (relacionados à história da pessoa e a transtornos mentais preexistentes) e o contexto sociocultural. Na realidade, segundo a psicóloga, esse sujeito quer se livrar de uma espécie de dor psicológica, uma tristeza e sofrimento profundos que lhe parecem inaceitáveis. “Reconhecer fatores que merecem atenção, como ficar tempo demais isolado no quarto, mudanças de hábitos repentinos, perda de interesse por atividades que fazia com prazer, descuido com a aparência, piora do desempenho na escola ou no trabalho, alterações no sono e no apetite, pode ser valioso para ser evitado que a pessoa tire a própria vida”, informa Barbosa, membro da Comunidade Evangélica Nova Vida de Poá (SP).

Foto: Reprodução / CA Times

Senso comum – No entanto, além da prevenção (medidas tomadas para evitar o suicídio), há a “posvenção”, neologismo que designa a intervenção posterior ao ato e que se refere às iniciativas feitas em favor dos enlutados por suicídio. A ideia é cuidar dos que ficam e são afetados: os familiares, em primeiro lugar, mas, também, os que socorrem, como os bombeiros, os socorristas (médicos, enfermeiros, terapeutas) e aqueles que pertenciam ao círculo social do indivíduo.

A psicóloga Karen Scavacini, 43 anos, destaca que, geralmente, a morte por suicídio tende a ocasionar um luto mais intenso e duradouro, pois as pessoas ficam buscando razões e não entendem como essa tragédia pode ter acontecido. “Para cada suicídio consumado, podemos ter, em média, 135 pessoas impactadas por essa morte. Claro que a família sentirá um impacto maior, mas todas as pessoas próximas vão sofrer, seja com a culpa, com o estigma, seja pela busca incessante do porquê”, acrescenta.

A psicóloga Karen Scavacini informa: “Para cada suicídio consumado, podemos ter, em média, 135 pessoas impactadas por essa morte. Claro que a família sentirá um impacto maior” – Foto: Arquivo pessoal

Scavacini, que, há 20 anos, atua na área de Suicidologia e é doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), dirige o Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio, de São Paulo (SP), uma associação que acredita que o suicídio pode ser prevenido, e o luto deve ser acolhido. “As atividades [do instituto] são realizadas por meio de grupos de apoio, nos quais as pessoas podem buscar ajuda e conversar com outras que estão na mesma situação.”

Contudo, se por um lado, considera-se imprescindíveis a existência de organizações, como o Vita Alere, e o fomento de campanhas de conscientização feitas por diversos órgãos governamentais e não estatais durante o Setembro Amarelo, por outro, há quem defenda como fundamental incluir estratégias de enfrentamento nas políticas de saúde pública de cada país. É o que explica a assistente social Adriana de Sousa Santos, mestre em Atenção Psicossocial, a qual afirma que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os países tenham planos de prevenção ao suicídio. Entretanto, para ela, no Brasil, a política de prevenção está em “construção”. Santos destaca que as informações devem ser levadas a todos e em linguagem acessível. “As orientações não devem chegar apenas aos profissionais de saúde, mas também àqueles das áreas de Educação, da Assistência Social, da Cultura e do Esporte, e às lideranças comunitárias e aos líderes religiosos.”

A assistente social Adriana de Sousa Santos pontua: “A questão precisa chegar da forma mais simples possível, para que as pessoas próximas daquelas que estão sofrendo consigam fazer algo. É necessário que avancemos muito ainda” – Foto: Arquivo pessoal

Adriana Santos frisa que todo o planejamento nacional de enfrentamento desse problema deve alcançar cada região do país, levando em conta o perfil de cada área. “A questão precisa chegar da forma mais simples possível, para que as pessoas próximas daquelas que estão sofrendo consigam fazer algo. É necessário que avancemos muito ainda”, pontua a assistente social, membro da Primeira Igreja Batista em Cascadura, zona norte do Rio de Janeiro (RJ). 

Para Adriana, as iniciativas voltadas para a investigação científica são relevantes, mas ela salienta a necessidade de reverter o conhecimento teórico adquirido para ações práticas, do cotidiano, a fim de não ficar restrito ao entendimento de especialistas. “Tudo deve ser ‘traduzido’ para ficar acessível às pessoas comuns”, conclui. 

Múltiplas causas

Estatísticas sobre suicídio apontam que, aproximadamente, uma em cada seis pessoas que se privam de viver deixam bilhetes. Às vezes, essas mensagens dão pistas das razões do ato. Porém, os comportamentos suicidas, em geral, resultam da interação de vários fatores:

  • ter doença dolorosa ou incapacitante;
  • viver sozinho;
  • crises econômicas ou dívidas;
  • desemprego;
  • luto ou perda;
  • humilhação ou desonra;
  • desesperança;
  • comportamento agressivo ou impulsivo;
  • depressão, especialmente quando acompanhada por ansiedade;
  • internação hospitalar recente devido à depressão;
  • a maioria dos outros transtornos mentais, como transtornos de personalidade;
  • tristeza persistente, mesmo quando outros sintomas da depressão estão diminuindo;
  • histórico de abuso de drogas ou álcool;
  • histórico de tentativas prévias de suicídio;
  • histórico de suicídio ou transtornos mentais na família;
  • experiências traumáticas na infância, incluindo abuso físico ou sexual;
  • preocupar-se com suicídio e falar sobre ele;
  • planos suicidas bem definidos.

(Fonte: MSD Manuals)


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