Entrevista | Revista Graça/Show da Fé
Capa | Internet
01/09/2020
Telescópio – 254
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Oportunidade de transformação

Psicóloga analisa as consequências da pandemia do novo coronavírus para a sociedade e as famílias

POR PATRÍCIA SCOTT

A terapeuta familiar Clarice Ebert, 58 anos, tem como primeira formação a Música Sacra. No entanto, há 11 anos, realizou o sonho de concluir o curso de Psicologia pela Universidade Federal do Paraná (UFP). Desde a juventude, teve interesse por temas sobre saúde mental, relacionamentos e comportamento humano. Por isso, há quase quatro décadas, atua na área de aconselhamento, ao lado do marido, o Pr. Cláudio Ebert.

Clarice é também terapeuta de casais, mestre em Teologia e escritora. No blog Sementes, ela compartilha suas ponderações com os leitores para ajudá-los na caminhada diária. “Longe de pretender que sejam as únicas ou as melhores reflexões. Reconheço a importância de continuar visitando e revisitando o armazém de outros semeadores, a fim de me abastecer com sementes de boa qualidade”, pontua.

Membro da Igreja Batista do Bacacheri, em Curitiba (PR), Clarice avalia a pandemia como uma crise circunstancial que causou um estresse imprevisível nas pessoas. “Para averiguar este momento, poderíamos analisá-lo por vários ângulos, mas, basicamente, ele promove diversas reflexões a respeito de como a vida humana está sendo articulada em nossa sociedade.” Qualquer adversidade, segundo a profissional, terá melhor resolução se for enfrentada de forma realista e corajosa, sem achismos ou fake news. Nesta entrevista à Graça/Show da Fé, ela traça um panorama social e familiar pós-pandemia.

Que rastros a atual crise de saúde deixou na sociedade?

Uns saíram feridos; outros, falidos, e muitos estão entre os falecidos. Infelizmente, o maior rastro de todos aponta para milhares de mortes, que representam perdas afetivas e significativas para as famílias. Como o sábio de Eclesiastes, as pessoas devem se pós-consternar e aproveitar para refletir. Assim, poderão se aprimorar como uma sociedade mais empática, compassiva e humana. Se ficarem fixas na avidez pelos ritmos frenéticos, em um ativismo alienante pela busca do sucesso, em que o outro, em vez de ser o semelhante próximo, continua sendo mero objeto de interesse para a obtenção de resultados numéricos, a pandemia terá deixado como rastros apenas os feridos, falidos e falecidos. Isso seria lamentável.

A senhora concorda que esse cenário foi providência de Deus para chamar a atenção do homem?

Não seria adequado dizer isso. Contudo, qualquer crise circunstancial pode captar a atenção de homens e mulheres, de modo que aproveitem para extrair aprendizados que os levem a crescer em todas as áreas da vida. O fator espiritualidade, obviamente, participa de maneira intensa nos episódios extremos e desafiadores da existência humana. A inteligência espiritual confere ao ser humano uma capacidade de transcender e extrair um sentido para as mais variadas ocasiões com as quais se depara. Por essa perspectiva, mesmo que a pandemia não tenha sido algo da parte divina para nos despertar, pode ser acolhida como uma oportunidade concedida pelo Senhor, a fim de aprimorar questões que têm sido esquecidas pela criação dEle, especialmente as relacionadas à solidariedade e à empatia.

Quais lições poderão ser extraídas deste período de enfermidade epidêmica?

Dentre as principais, destaco duas. Primeiro, na vida, não se tem o controle de quase nada. Segundo, as conquistas de status, fama e dinheiro não têm representatividade diante do poder de um ínfimo vírus que freia o mundo em questão de dias. No entanto, as lições terão de ser internalizadas para permanecerem, ou evaporarão rapidamente.

Fala-se bastante em solidariedade. Na visão da senhora, essas ações empáticas perdurarão?

No exercício de um otimismo para a pós-pandemia, espera-se que se mantenha a solidariedade emergida nas posturas de um mar de gente samaritana, que acolheu numerosos necessitados. Tristemente, essas demonstrações encontraram opositores ferrenhos com posturas egoístas, narcisistas, individualistas e materialistas. Tudo isso apareceu em uma série de atos, em campos opostos: no gesto de utilizar máscaras ao sair de casa ou nas fraudes em compras de respiradores.

As relações familiares foram modificadas? Por quê?

Depende. Algumas famílias, com a hiperconvivência doméstica, podem ter se desestruturado ainda mais. Na falta de habilidade em conversar adequadamente, outras não conseguiram nem sequer combinar detalhes básicos para diminuir o estresse no lar. Entretanto, há aquelas que aproveitaram esse distanciamento social e elaboraram pautas de um convívio mais satisfatório, e estas serão beneficiadas. Entre as medidas, poderiam estar reuniões, instruções e orações, contação de histórias, conversas em torno da mesa, diálogos, brincadeiras e elaboração de rotinas que fariam bem a todos. Tais famílias poderão registrar boas memórias do confinamento. Provavelmente, as crianças se lembrarão das horas felizes desse tempo, algo desejável para se manter pós-pandemia.

Como fazer a esperança prevalecer agora?

A expressão “a esperança é a última que morre” sugere que se siga em perseverança uma expectativa de que, no final, as situações desafiadoras se resolvam. Em uma pandemia, é preciso estar ciente dos perigos, tomar os devidos cuidados, exercer a solidariedade, empenhar-se em ajudas essenciais, chorar com os que choram. Mas, também, é relevante deixar alguma alegria entrar para a esperança ser prolongada. A chave está na gratidão, que abre uma possibilidade de tirar o foco das faltas e colocá-lo nas abundâncias. E, mesmo que haja várias faltas, restará muito a agradecer. Por exemplo, o ar para respirar, que é especialmente significativo quando se está em meio a uma pandemia na qual se pode morrer por não conseguir sorver oxigênio.

Clarice Ebert
Terapeuta familiar e de casal, psicóloga, mestre em Teologia, palestrante e escritora

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