Entrevista | Revista Graça/Show da Fé
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Foto: Divulgação / Braz Cubas

Mundo paralelo

Pós-doutor em Ciências Sociais e em Ciências da Religião analisa a relação do metaverso com o contexto eclesiástico

Por Patrícia Scott

Em uma sociedade cada vez mais tecnológica, a Igreja de Cristo tem se voltado bastante para o universo virtual. “Não há alternativa”, informa o pós-doutor em Ciências da Religião e em Ciências Sociais, Ivan de Oliveira Silva Durães, 50 anos. Na opinião dele, para ser de fato relevante, a Igreja precisa estar atenta às mudanças ao redor, a fim de continuar dialogando com a sociedade. “A mensagem cristã é atual para todos os tempos e para todas as discussões, por mais complexas que eventualmente sejam”, analisa Ivan, que é membro da Primeira Igreja Batista da Penha, zona leste de São Paulo (SP), casado e pai de dois filhos.

Com o desenvolvimento de realidades virtuais sempre mais aperfeiçoadas, como o metaverso – tipo de mundo paralelo que tenta replicar ou simular um espaço à parte por meio de dispositivos digitais –, essa necessidade de atualização se amplia, uma vez que a nova tecnologia pretende integrar o mundo físico e o cibernético. Nesta entrevista à Graça/Show da Fé, Ivan Durães trata de questões importantes acerca da relação da Igreja com a realidade virtual.

O que é o metaverso?

O nome se popularizou na década de 1990, por causa do livro Snow Crash, de Neal Stephenson. Nesse romance de ficção científica, as personagens fogem da realidade e desenvolvem personalidades em um mundo paralelo denominado metaverso. Hoje, a palavra diz respeito ao universo virtual, de alta tecnologia, no qual os seres humanos podem interagir com pessoas e aparatos tecnológicos para a existência em realidades paralelas, por meio de avatares [representações humanas no mundo virtual]. As propostas mais radicais de criação de metaversos prometem a experiência dos cinco sentidos humanos (visão, audição, paladar, olfato e tato) a partir da mediação tecnológica, quebrando, mais e mais, a barreira entre o real e o virtual.

A Igreja está preparada para atuar nesses ambientes?

Não. O universo virtual ainda é uma novidade para muitas igrejas, apesar da prática de transmissão de cultos pela internet, em decorrência da pandemia. O metaverso é mais do que a mera propagação de liturgias pelas redes sociais, trata-se de ingressar, ativamente, em um mundo paralelo ao real, em que há propostas existenciais diferentes do que, até então, a Igreja está acostumada. Entretanto, não descarto a perspectiva de que, em princípio, o metaverso seja uma espécie de modismo. Mas também é possível que tenha vindo para ficar. Caso essa hipótese se concretize e as pessoas migrem cada vez mais para ele, a Igreja precisará atuar nessa realidade. Nesse sentido, o Ide por todo o mundo [Mc 16.15] abrangerá todos os mundos virtuais onde houver seres humanos em busca de educação, cultura, diversão, aventuras e relacionamentos.

Sob a perspectiva do metaverso, como a Igreja faria para ministrar o batismo nas águas ou a Santa Ceia, por exemplo?

Esse é um ponto muito complicado quando dialogamos a respeito do metaverso, pois, historicamente, essas práticas exigem interação física dos membros das comunidades religiosas. Dessa forma, não faria sentido batizar um avatar. De igual modo, é muito estranho cogitarmos esse personagem participando da Santa Ceia, em comunhão com os demais avatares e com a igreja virtual. Entretanto, já há congregações que adotaram essas práticas de comunhão virtualmente, elegendo o avatar como a representação absoluta do humano, incluindo-o nas liturgias cristãs, como o batismo, as orações e os casamentos.

Como ficaria a verdadeira comunhão dos cristãos no metaverso?

Se considerarmos que as novas gerações, não raramente, dispensam a comunhão no ambiente real e, por conseguinte, optam por conexões virtuais, é possível afirmar que exista algum nível de comunhão no metaverso que, até o momento, não sabemos a intensidade.

Que prejuízos a atuação no meio virtual poderia causar à Igreja?

O principal é o esvaziamento do encontro físico de seres humanos, que tem sido o símbolo da comunhão pelos séculos. Vale lembrar que o partir do pão [Mt. 26.26] era uma prática constante no cotidiano dos membros das primeiras comunidades cristãs. No metaverso, os avatares são personagens, por vezes, distantes da pessoa propriamente dita. Em suas estratégias de atuação, as igrejas devem considerar o perigo de que esse espaço se transforme em um lugar para atores, em que fiquem de fora os seres humanos reais, com seus sentimentos concretos.

Esse avanço cibernético compromete a existência da Igreja como conhecemos hoje?

Não necessariamente. Há públicos diferentes a serem considerados. Milhares de pessoas continuarão nas práticas analógicas de culto, enquanto outros optarão pela dinâmica virtual – seja pela impossibilidade de presença física em reuniões, seja por opção própria. Compete às comunidades cristãs adaptarem-se aos desafios contemporâneos, lembrando que a existência delas está além do tempo e do espaço, pois as tecnologias vão e vem. Porém, a Igreja permanecerá enquanto instituição multimilenar, independentemente das intempéries. Da mesma maneira que ela existiu nas catacumbas romanas dos primeiros séculos, se for necessário, continuará a existir nos mundos tecnológicos eventualmente criados.

O avanço da Igreja estaria condicionado hoje à sua presença no meio virtual?

O metaverso pode ser considerado como mais um instrumento tecnológico para alcançar as pessoas que o acessam em busca de experiências humanas com o Evangelho. A Igreja está inserida em um contexto social-tecnológico em que o virtual não pode ser desconsiderado. Todas as suas estratégias precisam levar em conta o ambiente digital, o qual faz parte da vida contemporânea. Descartá-lo é um risco. O ideal é que a Igreja utilize os instrumentos tecnológicos em complementaridade com estratégicas já conhecidas e testadas ao longo dos séculos.

Ivan Durães
Pós-doutor em Ciências da Religião e em Ciências Sociais

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