Heróis da Fé | Revista Graça/Show da Fé
Na prateleira – 256
01/11/2020
Palavra dos Patrocinadores – 256
01/11/2020
Na prateleira – 256
01/11/2020
Palavra dos Patrocinadores – 256
01/11/2020
Foto: Cambridge University Library

Pioneiras no deserto

A britânica Alice Mildred Cable e suas amigas foram as primeiras missionárias cristãs a atravessar uma das regiões mais inóspitas da China

Por Élidi Miranda*

A cena era um tanto inusitada: três senhoras britânicas de meia-idade tomando chá com um lama tibetano no Templo do Rei Dragão. Elas estavam de passagem por ali, e a construção milenar era um oásis para os viajantes que cruzavam o deserto de Gobi, localizado na Ásia Central. Em meio à conversa, as três indagaram ao líder espiritual do budismo do Tibete o motivo que levava tantas pessoas ao templo, principalmente nos dias festivos. O que elas esperam receber?, perguntou uma delas. O lama respondeu de imediato: O perdão de seus pecados. A mulher, então, retrucou: E o senhor conhece alguma maneira pela qual os pecados podem ser perdoados? Com um ar de tristeza e desapontamento, o mestre tibetano respondeu com toda a sinceridade: Não.

O Trio – como aquele coletivo de senhoras de cabelos grisalhos era conhecido – passou as horas seguintes conversando com ele acerca do perdão dos pecados, concedido graciosamente por Deus a todos, por intermédio de Cristo. O homem escutava atentamente, pois nunca tinha ouvido nada parecido. Ao final da troca de palavras, as mulheres lhe entregaram algumas porções de literatura cristã e continuaram a viagem, orando para que o Senhor mostrasse àquele homem a verdade do Evangelho.

A líder daquele grupo era Alice Mildred Cable (1878-1952). Filha de um próspero comerciante de tecidos da cidade de Guildford, no Sul da Inglaterra, Mildred havia sentido o desejo de servir a Deus na China quando tinha 21 anos. Ela estava tão convicta de seu chamado que renunciou ao casamento. Seu noivo (antes, disposto a ir para o Oriente) desistiu da obra missionária e exigiu que ela fizesse o mesmo. Do contrário, ele não a levaria até o altar. Mildred preferiu embarcar para a China.

Em 1901, aos 23 anos, ela se fixou em Hwochow (atual Huaxian), no Norte do país. Ali conheceu duas mulheres que serviam ao Messias: Evangeline French (1869-1960) e Francesca French (1871-1960). Por 20 anos, elas trabalharam juntas como professoras em uma escola cristã para meninas. Entretanto, após duas décadas, o Trio começou a partilhar uma inquietação. Embora ainda houvesse muito a ser feito em Hwochow, elas sentiam a necessidade de levar a mensagem da cruz aos povos que moravam no deserto de Gobi. A tarefa não era simples, pois se tratava de uma região de clima extremo: no verão, a temperatura podia chegar a 50ºC e, no inverno, a 40ºC negativos.

Alice Mildred Cable (a primeira da direita para a esquerda), com Evangeline e Francesca: o grupo de senhoras de cabelos grisalhos era conhecido como Trio Foto: Reprodução

Sementes plantadas – No entanto, isso não foi impedimento para que Mildred Cable e suas amigas empreendessem a primeira viagem pela planície árida que faz parte da Rota da Seda. Durante milênios, aquela fora a principal estrada comercial entre o Oriente e o Ocidente. O deserto tinha uma série de oásis e vilarejos remotos, onde, ao longo dos séculos, pequenas comunidades haviam se formado. Contudo, jamais alguém tinha se aventurado por aquele território para cumprir o Ide.

Enfrentando condições climáticas extremas, elas percorreram cinco vezes o deserto, nos 15 anos que se seguiram, a partir de 1920. Valendo-se de uma carroça com rodas bem altas (para enfrentar o terreno difícil), as três carregavam literatura cristã e remédios. À medida que entravam nos vilarejos e visitavam os templos, achavam pessoas escravas do medo. Apresentavam-lhes, então, o Evangelho, e muitas criam na Palavra. Quando retornavam àquelas localidades, em várias delas, encontravam os frutos das sementes plantadas.

Um exemplo foi o que aconteceu a um rapaz, que demonstrara interesse pela pregação das missionárias. Sua mãe o advertiu: O dia em que você se juntar aos cristãos, pode encomendar meu caixão, pois não viverei para enfrentar tal desgraça. Entretanto, ele continuou a ouvir o discurso religioso das irmãs em Cristo.  Até que se entregou a Jesus e disse à sua mãe: Há um caminho para a vida e outro para a morte. O meu é o da vida. O jovem perseverou em sua jornada de fé e deu início a uma igreja na pequena cidade, apesar da oposição ferrenha vinda também do restante da família.

Detalhe do deserto de Gobi, localizado na Ásia Central, percorrido cinco vezes por Mildred Cable e pelas duas irmãs francesas que formavam o trio missionário Foto: Reprodução

O deserto de Gobi era uma espécie de fronteira inexplorada aos olhos do Ocidente. Por isso, Mildred se pôs a descrever a paisagem, os fenômenos climáticos, os monumentos, os aspectos sociais e políticos que envolviam as comunidades. Ela deixou a China em 1936 e não teve oportunidade de voltar, devido à instabilidade política que tomou conta do país. Evangeline e Francesca igualmente não regressaram. Os escritos e as fotos, feitos nessas viagens, resultaram em três livros, sendo o mais famoso The Gobi desert (O deserto de Gobi), publicado no Reino Unido em 1942.

Na Europa, Mildred Cable escrevia, em especial, sobre missões transculturais. Na página final de sua última obra, ela registrou uma frase que a acompanhara no campo missionário: Sem Deus, não podemos; sem nós, Deus não fará. Do Trio, Mildred foi a primeira a partir para a eternidade: faleceu em Londres, em abril de 1952. (*Com informações de Urbana e Jarring Collection)


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *