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Foto: Tyler Milligan / Unsplash

Expressão de fé

Com uma variedade de estilos, a música cristã brasileira faz história e supera barreiras, tornando-se cada vez mais popular

Por Ana Cleide Pacheco

Desde o Antigo Testamento, a música desempenha um papel significativo na Bíblia. No capítulo 4 de Gênesis, Jubal, um descendente de Caim, é citado como o pai de todos os que tocam harpa e flauta (Gn 4.21). Na narrativa do Êxodo, a travessia do mar Vermelho é celebrada com cânticos e danças (Êx 15.1-19) pelo povo de Israel. O livro de 1 Crônicas destaca a importância da música no contexto do templo em Jerusalém. O rei Davi, um músico gabaritado (1 Sm 16.14-23), organizou os levitas para ministrarem no templo, designando alguns para liderarem a adoração por meio da música instrumental e do canto (1 Cr 25.1). Os hebreus valorizavam tanto a música que compilaram, por inspiração divina, um livro inteiro de canções, os Salmos. Muitos desses poemas trazem instruções para sua execução embutidas no texto, como o Salmo 57.

Jesus e Seus discípulos, seguindo essa tradição musical judaica, cantaram um hino após a Última Ceia (Mt 26.30). Embora o Novo Testamento não ofereça detalhes sobre o uso da música na Igreja primitiva, algumas referências sugerem que o canto era uma forma importante de expressão da fé entre os primeiros cristãos: Paulo recomenda aos fiéis de Éfeso e de Colossos que falem entre si com salmos, e hinos, e cânticos espirituais (Ef 5.19 e Cl 3.16).

O pastor e ministro de música, Wolodymir Boruszewski, avalia: “É raro encontrar quem declare não gostar de música. Cada pessoa tem suas preferências, partes da trilha sonora de sua vida e estilos de melodia e ritmo com os quais tem maior ou menor afinidade”
Foto: Arquivo pessoal

Na história da Igreja, a música voltada para o culto cristão ganhou contornos definidos. Os cantos gregorianos dominaram a cena eclesiástica na Idade Média, e eram entoados apenas por integrantes do clero. Porém, com a Reforma Protestante, no século 16, o canto congregacional foi restaurado. A ênfase dos reformadores na participação ativa dos fiéis na adoração comunitária levou ao surgimento de novas composições. Na Suíça, os protestantes, liderados por João Calvino (1509-1564), criaram o Saltério de Genebra, o primeiro hinário da História. A coletânea reunia salmos bíblicos, traduzidos para o francês, adaptados e ajustados para se encaixarem em melodias populares da época e serem entoados pelas congregações durante os cultos.

O Saltério de Genebra se espalhou pela Europa. Porém, nos séculos seguintes, os protestantes passaram a utilizar também outras composições – não apenas salmos adaptados – em suas liturgias, dando origem a outros hinários. No século 19, quando os missionários protestantes se instalaram em território brasileiro, trouxeram suas coletâneas musicais, e essas canções foram traduzidas e adaptadas para formar o repertório das igrejas nacionais. Cada denominação organizou seus hinários: o Salmos e hinos, da Igreja Congregacional; o Cantor cristão, da Igreja Batista; a Harpa cristã, da Assembleia de Deus – só para citar alguns.

A ministra de música e pedagoga, Alzira Maria Bittencourt, pondera: “Alguns textos não transmitem a mensagem de que Jesus veio ao mundo para nos salvar”
Foto: Arquivo pessoal

Cultura popular – A partir dos anos 1960 e 1970, a música cristã brasileira assumiu ainda mais traços da cultura popular. Isso se deu por meio de cantores e bandas que registravam seus trabalhos em discos de vinil, abrindo espaço para uma abordagem mais contemporânea e diversificada, incluindo instrumentos modernos, como guitarras e baterias. A música cristã nacional continuou a crescer, principalmente após o surgimento de emissoras de rádio com programação evangélica nos anos 1980.

Na década de 1990, esse gênero religioso – que passaria a ser conhecido no Brasil como gospel – experimentou uma popularização sem precedentes, passando a incorporar uma variedade de estilos, incluindo o pop, o sertanejo e até a música eletrônica. “É raro encontrar quem declare não gostar de música. Cada pessoa tem suas preferências, partes da trilha sonora de sua vida e estilos de melodia e ritmo com os quais têm maior ou menor afinidade. Desse modo, na proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, há espaço para variados canais”, avalia o pastor e ministro de música, Wolodymir Boruszewski (Wolô, como é conhecido), 72 anos, da Comunidade de Jesus, em Campo Belo, São Paulo (SP). [Leia, no final desta reportagem, o quadro Um estilo peculiar]

William Soares destaca: “Ele (Deus) é quem inspira o ser humano a criar todo tipo de som para adorá-Lo”
Foto: Divulgação / Graça Music

Para a ministra de música e pedagoga, Alzira Maria Bittencourt, 72 anos, da Igreja Batista Nações Unidas, na Vila Mascote, zona sul de São Paulo (SP), o aspecto mais importante da música cristã não é o estilo utilizado, mas, sim, a letra da canção. “Alguns textos não transmitem a mensagem de que Jesus veio ao mundo para nos salvar. Como irão influenciar as pessoas?”, questiona ela.

O cantor William Soares, 29 anos, integrante do cast da Graça Music, concorda com Alzira Bittencourt e reforça que a música cristã deve ser primordialmente um instrumento para proclamar as Boas-Novas que libertam os cativos pelo pecado. De acordo com o cantor, Deus não estabeleceu um único estilo aceitável para a adoração. “Ele é quem inspira o ser humano a criar todo tipo de som para adorá-Lo. Poder escutar rap, pagode, sertanejo ou qualquer outro ritmo é muito bom. Eu me alegro porque vejo Deus em tudo isso”, destaca o artista, membro da Igreja Arca, em Barra de Macaé, na cidade de Macaé (RJ). Recentemente, ele lançou seu segundo single, Eu sou seu Pai.

O cantor Júnior Silva assegura: “O louvor é o Evangelho cantado e, nos momentos de crise, pode curar e transformar pelo poder do Espírito Santo”
Foto: Divulgação / Graça Music

Na opinião do cantor Júnior Silva, 34 anos, do Projeto Vida Nova em Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), a música cristã pode entrar no mais íntimo das pessoas e restaurar vidas. “O louvor é o Evangelho cantado e, nos momentos de crise, pode curar e transformar pelo poder do Espírito Santo. Afirmo que todos os estilos musicais que levam o Nome de Cristo e a verdade da Sua Palavra sempre serão aliados à propagação do Evangelho da salvação”, assegura o artista, que integra o cast da Graça Music e lançou, em 2023, o single Fogo que consome.

Mudanças no cenário – Foram muitas fases dos discos de vinil, fitas cassete, CDs e DVDs aos dias atuais. Hoje o consumo de música se dá principalmente pelos meios virtuais. É o caso de William Soares e Júnior Silva, dois representantes da nova geração de artistas evangélicos que têm se lançado no mercado por meio das plataformas digitais. De acordo com o executivo da Graça Music, o cantor Tiago Peres, 31 anos, plataformas como Spotify, Apple Music e YouTube proporcionam acesso global a essas produções, permitindo que os artistas alcancem audiências mais amplas. Além disso, ele ressalta que a interatividade e o engajamento nas mídias sociais desempenham um papel crucial na promoção e construção de diversas comunidades on-line.

O cantor Tiago Peres observa que, paralelamente a esses avanços proporcionados pela tecnologia, surgiram sérios problemas, como a pirataria e as mudanças nos modelos de receita
Foto: Divulgação / Graça Music

Tiago Peres observa que, paralelamente aos avanços proporcionados pela tecnologia, surgiram sérios problemas, como a pirataria e as mudanças nos modelos de receita. “Se, por um lado, a evolução tecnológica trouxe esses desafios, por outro, abriu portas e oportunidades, globalizando a música gospel e diversificando estilos e influências”, ressalta Peres, artista do cast da Graça Music, gravadora pela qual lançou um álbum e três singles.

Foto: jens Thekkeveettil / Unsplash

Como assinala Peres, a popularização da música gospel é um fenômeno global tão impressionante que, em muitos casos, extrapola o meio evangélico. São inúmeros os casos em que canções cristãs se tornaram trends – conteúdos que atingem um pico de popularidade nas redes sociais por certo tempo. Um exemplo disso foi Goodness of God (Bondade de Deus), sucesso lançado originalmente em 2019 pela Igreja Bethel, comunidade evangélica com sede em Redding, na Califórnia (EUA).

Para os integrantes do Three Voices, grupo que integra o cast da Graça Music, os irmãos Lucas Costa, 29 anos, Marcos Gabriel, 26, e Fellipe, 21, o cenário musical cristão precisou passar por várias mudanças para  alcançar milhões de pessoas fora do reduto evangélico. “Atualmente, muitos não cristãos escutam o gênero gospel por se identificarem com os estilos contemporâneos. Como Jesus mesmo disse em Marcos 2.17: Os sãos não necessitam de médico, mas sim os que estão doentes; eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores.É ótimo que as canções estejam alcançando o mundo e os corações para a glória de Deus”, celebra o trio.

Os irmãos Lucas Costa, Marcos Gabriel e Fellipe, integrantes do Three Voices, do cast da Graça Music: várias mudanças do cenário musical
Foto: Divulgação / Graça Music

Segundo observadores e estudiosos do assunto, o crescimento evangélico no Brasil e no mundo tem relação direta com a música cristã e a manifestação da fé por meio de suas canções. Para eles, ela é uma força que leva o Evangelho para fora dos muros das igrejas, fazendo ecoar a mensagem da salvação em Cristo até o fim dos tempos, conforme está registrado em Apocalipse 15.3,4: E cantavam o cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do Cordeiro, dizendo: Grandes e maravilhosas são as tuas obras, Senhor, Deus Todo-poderoso! Justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei dos santos! Quem te não temerá, ó Senhor, e não magnificará o teu nome? Porque só tu és santo; por isso, todas as nações virão e se prostrarão diante de ti, porque os teus juízos são manifestos.

UM ESTILO PECULIAR

O termo gospel (Evangelho, em inglês) vem da junção dos termos God (Deus)e spell (soletrar). Embora no Brasil o termo se refira a qualquer estilo de música evangélica, nos Estados Unidos essa designação é reservada ao estilo semelhante à fusão do jazz e de seu antecessor direto, o spiritual, criado por negros norte-americanos escravizados convertidos ao Evangelho no século 17. Por meio de suas canções, eles declaravam sua fé em Cristo, lamentavam aquela condição e expressavam sua esperança na vida futura.

Foto: Divulgação

O gospel, propriamente dito, nasceu nos anos 1930, graças ao compositor Thomas A. Dorsey (1899 -1993), considerado o “pai” desse gênero musical. Dorsey desempenhou um papel crucial na transição do spiritual para o gospel, compondo canções com complexos arranjos para coro, também sob forte influência “jazzística”. Lançando mão de harmonias poderosas, ele inaugurou um estilo que passaria a fazer parte da identidade musical das comunidades afro-americanas nos EUA. Com o tempo, o estilo gospel ganhou novos contornos e se popularizou, graças a artistas, como Mahalia Jackson (1911-1972), Aretha Franklin (1942-2018) e Andraé Crouch (1942-2015). 

(Élidi Miranda, com informações de MasterClass)


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