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Abraão de Almeida

A neo-ortodoxia

A neo-ortodoxia é comumente conhecida por barthianismo, por ter como seu principal autor Karl Barth (1886-1968), considerado o maior teólogo do século 20. Esse sistema possui vários outros nomes, entre eles, a teologia de Lund, em razão das doutrinas ensinadas por alguns professores dessa universidade sueca. Os principais discípulos de Barth são Emil Brunner (1889-1966), de Zurique (Suíça), e Reinhold Niebuhr (1892-1971), de Nova Iorque (EUA).

Karl Barth (1886-1968) Foto: Reprodução

Aplica-se à teologia de Barth o adjetivo “transcendental” devido à sua divergência com o cristianismo histórico e o modernismo tradicional. 

Nascido na Suíça, Karl Barth lecionou Teologia nas universidades alemãs de Gottingen, Munique e Bonn, porém foi demitido deste último posto pelo governo hitlerista em 1935. Por resistir às tentativas do ditador de tornar nazista a Igreja Reformada da Alemanha, teve seus diplomas de Teologia anulados. No entanto, após a derrota do nazi-fascismo, o docente recuperou sua cátedra em Bonn e, mais adiante, transferiu-se para Basileia (Suíça). Aposentou-se em 1961 e iniciou a elaboração da sua teologia.

Emil Brunner (1889-1966) Foto: Getty Images

Assentando suas conclusões teológicas na síntese, Barth recebe as contradições com naturalidade, havendo muitas delas em suas obras. Ele abandonou o terreno firme da lógica e ingressou no mundo fabuloso do pragmatismo, doutrina que considera a ação superior ao pensamento e aceita o valor prático como critério da verdade. Como a tese se opõe naturalmente à antítese, Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), em vez de seguir as leis da causa e do efeito para a determinação da verdade, encerrou essa mesma verdade na síntese, que corresponde ao grau intermediário entre a tese e a antítese. Barth, ao aplicar essa fórmula ao cristianismo histórico, considerou-o como a tese, o modernismo como a antítese e o novo modernismo como a síntese.

Dentro desse esquema coexistem pacificamente doutrinas antagônicas: o certo e o errado, a verdade e a mentira. Daí a sua denominação de teologia dialética ou da crise. Violando, dessa maneira, as regras pelas quais se estabelece se uma tese é verdadeira ou não, o barthianismo acabou negando o caráter absoluto da verdade.

Não se pode deixar de reconhecer que, sob diversos aspectos, a teologia de Barth foi um retorno aparente às várias doutrinas bíblicas desprezadas pelo liberalismo, como a Trindade, o nascimento virginal de Cristo, as duas naturezas do Messias unidas em uma só pessoa (conforme aceita pelo Concílio de Calcedônia no ano 451 e pela Reforma Protestante), a salvação somente pela graça e a justificação unicamente pela fé. Em virtude desses pontos de vista, foi o barthianismo chamado também de neomodernismo e neo-ortodoxia. 

Reinhold Niebuhr (1892-1971) Foto: Reprodução

Entretanto, a teologia de Barth possui falhas seríssimas, pois o autor crê que a Bíblia não é a Palavra de Deus, apenas a contém. Por esse motivo, as Escrituras podem ser criticadas à vontade. O teólogo estabelece um falso contraste entre a autoridade espiritual da Igreja, por ele aceita, e autoridade legal dela, que rejeita. Sendo assim, deixou a discussão aberta acerca de doutrina.

Segundo essa teologia transcendental, o mundo está cheio de contradições, inclusive na religião. Por isso, os seguidores dessa escola admitem sistemas que se excluem mutuamente. Conforme declarou um dos seus líderes, em face do modernismo e da fé histórica, não se deve dizer um ou outro, mas um e outro. Isso equivale a aceitar a doutrina de que Jesus é o único Mediador entre Deus e o homem e, ao mesmo tempo, admitir a mediação de Maria. Um transcendentalista, portanto, assemelha-se a um balconista que vende exatamente o produto que o freguês deseja, seja este um cristão histórico ou um liberal.

Georg Hegel (1770-1831) Foto: Lazarus Gottlieb / Britannica

“Teologia da crise” – O teólogo suíço Emil Brunner exerceu grande influência no protestantismo dos Estados Unidos, país onde proferiu diversas preleções. Suas obras foram traduzidas para o inglês antes mesmo que as de Barth.

A teologia dialética de Brunner, ou “teologia da crise”, descreve a busca da verdade por meio de debates entre as posições contrárias. 

Brunner pensa que há alguma revelação fora da Bíblia, embora não acredite que a teologia natural inclua a teologia revelada, discordando nesse ponto do liberalismo de Barth. Ele entende que o Livro Santo seja o único critério pelo qual podemos julgar a verdade e a suficiência do conhecimento acerca de Deus, que, de acordo com Brunner, encontra-se em outros lugares. Para ele, a Bíblia é e não é a Palavra do Senhor. Ela seria apenas o veículo desta, ou a palavra sobre a Palavra. Por essa razão, ele acredita que o Texto Sagrado não é a base da fé cristã, e sim o seu meio, e que, por meio dela, o homem se torna contemporâneo com a Palavra.

A respeito da revelação, Brunner soluciona o problema passando pelo idealismo, que admite a verdade na história, e pelo positivismo, que nega a transcendência e se baseia nos fatos e na experiência, voltando-se para a vida prática. Ele concorda com Soren Kierkegaard (1813-1855) na distinção entre o tempo e a eternidade, e nega o nascimento virginal de Cristo, os 40 dias pós-ressurreição e a ascensão física do Senhor.

Soren Kierkegaard (1813-1855) Foto: Reprodução

Eterno revolucionário – O teólogo norte-americano Reinhold Niebuhr (1892-1971) formou-se em 1915. Por ser cheio de convicções liberalistas, foi pastorear uma pequena igreja de operários em Detroit, quando percebeu a ineficácia da sua teologia. Inclinou-se depois para o marxismo, mas, a partir de 1940, converteu-se à nova ortodoxia. 

Defendia que a relação do homem com Deus não pode ser expressa em termos racionais e lógicos, e sim somente em termos de mitos. Ele dizia que qualquer tentativa para provar a revelação está errada e acreditava que o cristão deve ser um eterno revolucionário, não se conformando com as reformas sociais, sempre imperfeitas.

Sobre o pecado, negava a herança de culpa de Adão, aceitando apenas a queda individual, e afirmava que a queda no Éden não modificou a natureza e a estrutura essenciais do homem, assim como a cegueira não retira o olho do corpo. 

Abraão de Almeida
Pastor da Igreja Evangélica Brasileira em Coconut Creek, Flórida, EUA, e autor de mais de 30 livros em português e espanhol. E-mail: abraaodealmeida7@gmail.com

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