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Foto: Wikimedia
Abraão de Almeida

Savonarola, um dos grandes precursores da Reforma

No artigo anterior, tratamos do pano de fundo político e religioso para entender o desenvolvimento da Reforma Protestante. Nesta edição, falaremos um pouco de Girolamo Savonarola (1452-1498), um dos grandes precursores daquele movimento.

É bom salientar que aquela reforma religiosa do século 16 tem raízes profundas em antigas tradições da igreja. Em parte ou totalmente, os reformadores se firmaram em textos claros das Escrituras Sagradas, ou defenderam esta ou aquela confissão de fé, ou fizeram seus protestos à luz de definições conciliares, por sua vez baseadas na Bíblia, ou ainda reagiram ao pecado iluminados por comentários bíblicos de um dos pais da igreja. Dessa maneira, a Reforma, nas palavras do autor britânico James Gilchrist Lawson (1874-1946), constitui a resposta firme de comunidades e de inúmeros cristãos à revelação de Deus em Jesus Cristo e, como tal, continua sendo uma possibilidade presente e futura.

Entre todos os grandes precursores da Reforma Protestante, talvez nenhum outro tenha demonstrado tanta coragem em apontar a corrupção reinante no seio da Igreja Católica Romana como o destemido pregador Girolamo Savonarola. Nascido em Ferrara, no Norte da Itália, em 14 de setembro de 1452, ele viveu em uma época em que os criminosos Bórgias reinavam na igreja como papas ou cardeais, levando-a a um estado extremo de vileza e corrupção.


Girolamo Savonarola (1452-1498) – Foto: Reprodução

Em 1497, Savonarola bradava: A terra ferve com o derramamento de sangue. Contudo, os sacerdotes não tomam conhecimento; antes, pelo seu exemplo perverso, trazem sobre todos a morte espiritual. Retiram-se de junto de Deus. Sua piedade consiste em passar as noites com as meretrizes, e todos os dias palrando [tagarelando] […] Dizem que Deus não tem cuidado do mundo, que tudo acontece pelo acaso […] “Atenta, ó igreja dissoluta”, diz o Senhor: “Eu te dei vestimentas formosas, mas delas tu fizeste ídolos. Dedicaste os vasos sagrados à vanglória, os sacramentos à simonia [compra ou venda ilícita de coisas espirituais (tais como indulgências e sacramentos) ou temporais ligadas às espirituais (como os benefícios eclesiásticos)]; tu te tornaste em meretriz desavergonhada pelas tuas concupiscências; és inferior a uma besta, monstro de abominações. Outrora, sentias vergonha pelos teus pecados, mas agora és desavergonhada.” […] Em todo lugar fizeste um local público e levantaste uma casa de má fama. E que faz a meretriz? Senta no trono de Salomão e solicita a todo mundo: quem tiver ouro é bem-vindo e pode fazer o que quiser, mas aquele que busca fazer o bem é expulso. Oh! Senhor, meu Senhor, eles não admitem que se faça o bem! E assim, ó igreja prostituta, expuseste perante o mundo inteiro a tua malícia; teu mau cheiro sobe até o céu. Multiplicaste tuas fornicações na Itália, na França, na Espanha e por todas as demais partes. “Eis que estenderei a mão”, diz o Senhor; “ferir-te-ei, miserável, infame; minha espada cairá sobre os teus filhos, sobre tua casa de vergonha, sobre tuas meretrizes, sobre teus palácios, e a minha justiça se fará conhecer. Terra e céus, os anjos, os bons e os maus, te acusarão e ninguém estará contigo; entregar-te-ei nas mãos de teus inimigos”.

Hans Joachim Iwand (1899-1960) – Foto: Reprodução

Sermões A influência de Girolamo Savonarola se fazia sentir em Florença e na Itália, por inteiro. Os florentinos chegaram a abandonar seus livros vis e mundanos, trocando-os pelos sermões de Savonarola. Em sua obra As mais profundas experiências de cristãos famosos (The Warner Press, 1911), James Gilchrist Lawson descreveu aquele cenário: Todos oravam e assistiam as igrejas, e os ricos ajudavam com largueza os pobres. Os comerciantes devolviam ganhos mal adquiridos, que ascenderam a muitos milhares de florins. Até os rufiões e os malandros deixaram suas canções mundanas, e, em seu lugar, entoavam hinos a Deus. Todos se afastaram dos carnavais e das vaidades a que estavam acostumados, e faziam imensas fogueiras nas ruas com suas máscaras, suas perucas, seus livros imorais, suas pinturas obscenas e outras coisas desse tipo. Os meninos iam pelas ruas, em marcha, cantando hinos, e recolhendo o que chamavam de vaidades. Com isso, levantaram uma pirâmide de oito lados na praça pública. Estava erguida em sete partes superpostas, alcançando uma altura superior a 18 metros, e de uns 70 metros de circunferência na base. Enquanto essa fogueira ardia, as multidões cantavam hinos, e se ouvia o repicar dos sinos. Isso aconteceu no ano de 1497.

Papa Alexandre VI (1431-1503) – Foto: Reprodução

Todavia, as palavras candentes do Épico de Florença não conseguiram sensibilizar as consciências adormecidas do papa, de seus cardeais e sacerdotes corrompidos. Como relata o teólogo luterano alemão Hans Joachim Iwand (1899-1960), em seu livro A justiça da fé (Editora Sinodal, 1977), longe de despertar-se e reparar suas graves falhas, esses religiosos o ameaçaram, o excomungaram e o perseguiram; e, por fim, em 1498, por ordem expressa de Alexandre VI [1431-1503] — um dos papas mais vis que já viveram —, foi queimado vivo na praça pública de Florença, a cidade que ele havia amado com todas as suas forças.

O triunfo do grande reformador florentino foi breve, pois teve o mesmo trágico fim de João Hus (1369-1415), Jerônimo de Praga (1379-1416) e outros. Mas o eco de suas arrebatadoras mensagens haveria de ressoar pelos anos seguintes e alcançar o monge Martinho Lutero em Wittenberg, na Alemanha.

Abraão de Almeida
Pastor da Igreja Evangélica Brasileira em Coconut Creek, Flórida, EUA, e autor de mais de 30 livros em português e espanhol. E-mail: abraaodealmeida7@gmail.com

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