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Execução presidida pelo frade católico Domingos de Gusmão (1170-1221), retratada por Pedro Berruguete
Foto: Soerfm / Wikimedia
Abraão de Almeida

O propósito da Inquisição (Parte 1): porfia de interesses

Um dos mais vergonhosos capítulos que a Igreja Romana legou à História, e que jamais será esquecido, diz respeito à instalação e ao funcionamento implacável dos terríveis tribunais da Inquisição, que levaram ao suplício e à morte dezenas de milhares de vítimas. Alguns historiadores consideram a constituição, promulgada em 1184 pelo Papa Lúcio III (1097-1185), como a origem da Inquisição. Aquele ato do poder papal, expedido de acordo com as autoridades seculares, ordena aos bispos que, por si, pelos arcediagos [dignitários eclesiásticos que recebem do bispo certos poderes] ou por comissários de sua nomeação, visitem uma ou duas vezes por ano as respectivas dioceses, a fim de descobrir os delitos de heresia, ou por fama pública ou por denúncias particulares, registra o historiador português Alexandre Herculano (1810-1877), autor do livro História da origem e estabelecimento da Inquisição (Livraria Bertrand, Lisboa, 1975).

Nessa constituição, aparecem designações muito utilizadas mais tarde, como suspeitos, convencidos, penitentes e relapsos. Tais classificações indicam diversos graus de culpabilidade religiosa, com suas respectivas sanções penais. Pelo fato de conservar bem distintos os poderes religioso e civil – limitando à Igreja os castigos puramente espirituais e deixando ao poder secular a aplicação de outras penas –, esse documento está ainda longe da organização desumana, anticristã e abominável que surgiria cerca de meio século depois. O ano de 1231 marca o início do estabelecimento da Inquisição em vários países, logo após o Concílio de Toulouse (1229). O historiador Alexandre Herculano confirma que o ponto de partida da Inquisição foi mesmo o século 13.

Porfia de interesses – O fato de a Inquisição ter se voltado especialmente contra os judeus ou os praticantes do judaísmo levou alguns historiadores à conclusão de que se tratava de uma porfia de interesses, prolongada por sucessivas gerações. O historiador português João Lúcio de Azevedo (1855-1933) afirmou, em sua obra História dos cristãos-novos portugueses (Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1921), que essa disputa só terminaria em vantagem para os cristãos mediante um recurso violento, desde que aqueles [os judeus] a quem disputavam a posição, tinham por si todas as superioridades, entre elas a da inteligência. Segundo Azevedo, na treva profunda da Idade Média, em que, não digamos a ciência, mas as rudimentares prendas do ler e escrever eram privilégio de restrita minoria, o judeu possuía a instrução.

Eis aqui um fato notado por, praticamente, todos os historiadores do judaísmo ou dos movimentos de oposição aos judeus, em especial a partir da origem da Inquisição. Um desses historiadores, e também atropólogo, o espanhol Julio Caro Baroja (1914-1995), referindo-se aos judeus portugueses e espanhóis dos séculos 15 e 16, afirmou que o povo hebreu tem dado, como é sabido, um contingente muito grande de intelectuais e de profissionais liberais – dentre eles, os médicos. Esse mesmo estudioso da questão judaica lamenta, em seu livro Inquisicion, brujeria y criptojudaismo (Inquisição, bruxaria e criptojudaísmo), publicado pela Editora Ariel (Barcelona, 1974, p. 119 – 122), o fato de que homens que chegaram à madurez ocupando postos importantes na corte e nas grandes cidades da Espanha, sendo médicos de magnatas e de dignidades eclesiásticas, terminaram seus dias fora da Espanha, como apologistas de Israel, como doutos rabinos.

O historiador João Lúcio de Azevedo, referindo-se aos judeus que vieram abrigar-se na Península Ibérica, explica as razões do ódio voltado a esses pelos nativos: Astutos, pertinazes e ousados, os adventícios possuíam já as qualidades das raças afeitas à adversidade. A emigração, com as longas viagens cheias de perigos, em mal aparelhadas naves, não era, como hoje, fato banal, mas escola de valor e de energia. Os aventureiros de fora possuíam, certamente, mais rija têmpera. [] Pode-se dizer que eram criaturas de exceção, portadores das melhores energias da raça, esses que, ao cabo de inúmeros labores, chegavam enfim à terra nova, nos confins do mar então conhecido.

No mesmo ano em que Cristóvão Colombo descobria a América, a Espanha expulsava 180 mil judeus de seu território, obrigava 300 mil a se converterem ao catolicismo e queimava, por mãos da Inquisição, 20 mil deles como convertidos relapsos. Cinco anos depois (1497), Portugal forçou os 200 mil judeus que viviam no país a se converterem ao catolicismo como marranos (conversos), sob pena de serem deportados. É o que registra David B. Barrett na obra World Christian Encyclopedia (Oxford University Press, Nairobi, 1982).

Barrett destaca que Portugal sofreu perdas do capital e das habilidades comerciais dos judeus, mas não foi o único. A enorme evasão de divisas para países menos intolerantes, como a Holanda, ocorreu também em outras nações aterrorizadas pela Inquisição, especialmente na Espanha. Na próxima edição, continuaremos falando desse assunto.

Abraão de Almeida
Pastor da Igreja Evangélica Brasileira em Coconut Creek, Flórida, EUA, e autor de mais de 30 livros em português e espanhol. E-mail: abraaodealmeida7@gmail.com

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