Capa | Música
01/12/2020
Carta do Pastor à ovelha – 257
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Carta do Pastor à ovelha – 257
01/12/2020
Foto: Kelly Sikkema / Unsplash

Leitura e interpretação

Pesquisa aponta que muitos cristãos têm dificuldade para compreender a Palavra de Deus

Por Ana Cleide Pacheco

A Bíblia Sagrada é o livro mais conhecido, lido e vendido em todo o mundo. No entanto, apesar de ocupar o primeiro lugar nesses rankings, seus leitores consideram de difícil compreensão o conteúdo da obra. Foi o que demonstrou uma sondagem recente realizada pelo instituto de pesquisas LifeWay Research, sediado em Nashville, no estado norte-americano do Tennessee. De acordo com o levantamento, as pessoas julgam ser muito mais árdua a tarefa de compreender o texto bíblico sem o suporte de um pastor ou de alguém capacitado para interpretar as Escrituras. Foram ouvidos mais de mil cristãos evangélicos, dos quais 57% disseram que acham difícil entender a Bíblia quando a leem por conta própria, e 38% concordaram quea leitura individual é desafiadora.

Dwayne McCrary, um dos coordenadores do projeto Explore The Bible (Explore a Bíblia): Estudar as Escrituras acompanhado nos permite, entre outras coisas, compartilhar das ideias dos outros, que nos ajudam em nosso próprio estudo Foto: Divulgação

O estudo foi levado a efeito em parceria com o projeto Explore The Bible (Explore a Bíblia), que visa incentivar os norte-americanos a ler e a compreender o Livro Santo. Para Dwayne McCrary, um dos coordenadores do projeto, ler o Texto Sagrado de modo individual é imprescindível, mas ter auxílio no processo de compreensão dele é igualmente interessante. Estudar as Escrituras acompanhado nos permite, entre outras coisas, compartilhar das ideias dos outros, que nos ajudam em nosso próprio estudo.

Em Atos 8.30,31, é relatado que um eunuco etíope estava em sua carruagem, lendo o livro do profeta Isaías, quando foi abordado por Filipe: Entendes tu o que lês? Ao que o eunuco respondeu: Como poderei entender, se alguém me não ensinar? E rogou a Filipe que subisse e com ele se assentasse. Após Filipe lhe explicar que aquela passagem era a respeito de Jesus, o entendimento do homem se abriu, ele creu no Senhor e foi batizado, em seguida. Para o evangelista Bruno de Souza Rodrigues, 31 anos, da Comunidade Evangélica Vida em Abundância, em São João de Meriti (RJ), a explanação feita por Filipe mostra a importância de a Palavra ser explicada. “A pregação é uma ferramenta poderosa para entender a Bíblia. Mas, para tal, é preciso ser pregada de modo expositivo, o que ajuda muito na compreensão do texto bíblico.”

O Pr. Glebe Lima de Oliveira Filho acredita que o analfabetismo funcional é um fator relevante a ser levado em consideração quando se fala de pouca facilidade para interpretar a mensagem bíblica: “Não se pode desvincular esse problema da
leitura da Bíblia”
Foto: Arquivo pessoal

Entretanto, Rodrigues destaca que o cristão não pode ter contato com a Palavra apenas aos domingos, ou nos cultos, quando terá alguém para explicar-lhe o Texto. Portanto, orienta que todos devem separar, dia a dia, pelo menos, alguns minutos para fazer a leitura bíblica. “Jesus diz em Mateus 4.4: Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. Ou seja, a Palavra é o nosso alimento espiritual. Temos um cronograma que seguimos para alimentar nosso corpo: tomamos café da manhã, almoçamos, jantamos, certo? Assim, deve ser a nossa rotina espiritual, e a Bíblia precisa ser o nosso alimento diário.”

Manejo das Escrituras – Caso tivesse sido realizada no Brasil, a investigação citada no início desta reportagem certamente não mostraria resultados muito diferentes. Um dos motivos seria o analfabetismo funcional que grassa no país, o qual se caracteriza pela incapacidade de assimilar o que é lido. O indivíduo até conhece o alfabeto e é capaz de ler palavras soltas, mas não de capturar a ideia de uma frase. Segundo o Índice Nacional de Analfabetismo Funcional (INAF), medido em 2018, pelo menos 29% dos brasileiros com idades de 15 a 64 anos demonstram esse défice, causado por uma escolarização precária. O Pr. Glebe Lima de Oliveira Filho, 43 anos, da Igreja Batista do Galeão, na Ilha do Governador (RJ), acredita que o analfabetismo funcional é um fator relevante a ser levado em consideração quando se fala de pouca facilidade para interpretar a mensagem bíblica. “Não se pode desvincular esse problema da leitura da Bíblia”, diz o pregador, lembrando que grande parte do universo cristão evangélico é oriundo de setores de baixa renda, as principais vítimas de uma educação básica insuficiente.

O evangelista Bruno de Souza Rodrigues: “A pregação é uma ferramenta poderosa para entender a Bíblia. Mas, para tal, é preciso ser pregada de modo expositivo, o que ajuda muito na compreensão do texto bíblico” Foto: Arte sobre foto de Divulgação / Erick Serrano

Glebe Filho, também teólogo e historiador, afirma que a deficiência escolar não é a única questão. O pouco manejo das Escrituras conta bastante quando é necessário estudá-la por alguma razão. “Além disso, temos vivenciado tempos de um acesso às questões do Reino como uma espécie de fast-food. Muitos procuram algo que seja rápido no atendimento de suas expectativas. Por isso, atividades como devocionais diários em família, orações, louvores e leitura da Palavra, entre outros, se perderam. Quanto mais distante das Escrituras o cristão ficar, recebendo sempre o ‘produto pronto’, menos desenvolverá capacidade de interpretá-las.”

Entendimento humano – Já o Pr. Gilberto da Silva, 65 anos, da Igreja Evangélica Pentecostal Monte da Oração em Jardim Guarani, na zona norte de São Paulo (SP), declara que muita gente apresenta barreira em relação ao tema da matéria devido ao conteúdo, à temporalidade e ao número de autores do Texto Sagrado. “A bem da verdade, a Bíblia não é um livro simples, pois trata de questões vivenciadas em um período de mais de 4 mil anos, relatadas por mais de 40 escritores, de diferentes épocas”, explica o ministro, docente do Seminário Teológico Evangélico Betel Brasileiro, localizado na capital paulista. Ele acrescenta que os assuntos contidos nas Escrituras, muitas vezes, apresentam narrativas que extrapolam o entendimento humano racional. “Um bom exemplo são as visões do livro de Ezequiel.”

Pr. Gilberto da Silva: “A bem da verdade, a Bíblia não é um livro simples, pois trata de questões vivenciadas em um período de mais de 4 mil anos, relatadas por mais de 40 escritores, de diferentes épocas” Foto: Arquivo pessoal

O teólogo e evangelista Iury Rangel dos Santos, 30 anos, da Igreja Nova Vida de Padre Miguel, na zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), acredita que, somado aos desafios expostos pelo Pr. Gilberto da Silva, outras características da Palavra ampliam a dificuldade da leitura e de sua interpretação. “Uma delas seria o distanciamento sociocultural, visto que as Escrituras refletem uma época totalmente diferente da atual”, exemplifica, citando a existência do distanciamento linguístico, pois os idiomas originais da Bíblia – hebraico, aramaico e grego, com suas construções gramaticais e figuras de linguagem – distinguem-se bastante da língua portuguesa. Esses obstáculos, do ponto de vista de Santos, nem sempre são superados pelas traduções. “E, finalmente, existe o distanciamento moral, pois a mente corrompida pelo pecado tem dificuldade para assimilar a pureza e santidade da Palavra de Deus.” O evangelista ressalta que tendo em vista a natureza espiritual da Bíblia, torna-se crucial o leitor se aproximar do Livro Sagrado com coração reverente e piedoso. “Interpretação de texto bíblico não é só mera questão de técnica e informação, mas também de caráter e espiritualidade.”

O Pr. Sadam Carpegianne Figueira Lima (mais conhecido como Sadam do Bem): “Quando a pessoa busca compreender as Escrituras, focando na letra apenas, experimenta a dificuldade de entendimento” Foto: Arquivo pessoal

O Pr. Sadam Carpegianne Figueira Lima (mais conhecido como Sadam do Bem), líder regional da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no bairro São Geraldo, em Manaus (AM), partilha da mesma opinião de Gilberto da Silva e Iury Rangel. “Quando a pessoa busca compreender as Escrituras focando na letra apenas, experimenta a dificuldade de entendimento”, afirma Lima, explicando que a falta de compreensão do Texto Sagrado se dá porque ele é uma palavra viva, que visa transformar o homem, fazendo dele uma nova criatura. “Existem pessoas levantadas pelo Pai para ajudar as outras e entregar-lhes a revelação. Portanto, é importante ir à igreja, ouvir a Palavra – revelada por meio das pregações – e buscar orientação para a leitura particular.”

O teólogo e evangelista Iury Rangel dos Santos acredita que algumas características do Texto Sagrado ampliam a dificuldade da leitura e de sua interpretação: “Uma delas seria o distanciamento sociocultural, visto que as Escrituras refletem uma época totalmente diferente da atual” Foto: Arquivo pessoal

Mensagem viva – O Pr. Domingos Marcelus Carias, 44 anos, da Igreja Batista em Vital Brazil, na cidade de Niterói (RJ), pensa que, quando o leitor tem a perspectiva de que a mensagem bíblica é viva, aquilo que lê ultrapassa o campo do conhecimento e é entendido como revelação do Senhor. Sendo assim, para ele, o indivíduo é constrangido à obediência e submissão ao Altíssimo, e sua vida é transformada pelo poder do Espírito que emana da Palavra. “A Bíblia é um livro de revelações e, por isso, sua leitura diária certamente transformará a vida do leitor. Ele será confrontado, fortalecido, consolado, desafiado, enfim, desenvolverá um relacionamento com Deus, conhecerá e entenderá, a cada dia, os propósitos gerais dEle para a própria vida e para a humanidade.”

Já a leitura sem um coração aberto, assegura ele, transforma a Escritura em um livro de relatos históricos, contos mitológicos ou outras distorções piores. “Creio que é possível lê-la sob perspectivas naturais, mas acredito que, por seu poder, ela confrontará o leitor mesmo assim. Considero a leitura diária da Bíblia e a oração os dois hábitos mais saudáveis para o desenvolvimento da vida do cristão.”

O Pr. Domingos Marcelus Carias explica: “A Bíblia é um livro de revelações e, por isso, sua leitura diária certamente transformará a vida do leitor. Ele será confrontado, fortalecido, consolado, desafiado, enfim, desenvolverá um relacionamento com Deus” Foto: Arquivo pessoal

O Pr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek, 48 anos, da Igreja Batista Marapendi, na zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), reitera que, na Bíblia, está registrada a revelação do Todo-Poderoso, mas pontua que só alcança essa percepção aquele que lê a Palavra de coração aberto. Porém, de acordo com Dusilek, na perspectiva cristã, essa compreensão somente se dá quando a pessoa assume uma postura de humildade. “Quando Deus resolveu Se revelar em Jesus de Nazaré, Ele o fez mostrando o caminho da humildade, tomando a forma de servo, assumindo a condição humana, como mostra em Filipenses 2. Ao nascer, foi colocado em uma manjedoura para representar que não pode repousar em outro lugar que não seja um coração humilde”, reflete o pastor, evidenciando que, caso Deus Se manifestasse aos homens em toda Sua Glória, não seria compreendido. “Sobraria apenas a contemplação.”

O Pr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek reitera que, na Bíblia, está registrada a revelação do Todo-Poderoso, mas pontua que só alcança essa percepção aquele que lê a Palavra de coração aberto: “é a fonte suprema de consolação” Foto: Arquivo pessoal

Dusilek afirma que, além da intimidade, da profundidade e da comunhão com Cristo, a leitura cotidiana do Livro Sagrado gera discernimento e sabedoria e direção para as decisões do dia a dia. Portanto, ressalta a necessidade de todo cristão buscar superar todos os obstáculos diligentemente, com a ajuda de alguém ou por si mesmo, e “mergulhar” nas Escrituras Sagradas sempre. “A Palavra nos traz ânimo, esperança e consolo, uma vez que é a fonte suprema de consolação”, conclui.


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