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Foto: Pexels – Katrin Bolovtsova

Juízes por Cristo

Magistrados evangélicos seguem as leis para julgar, mas têm na Bíblia a principal fonte de inspiração no cumprimento dessa tarefa

Por Jorge Antonio Barros

A Bíblia registra que, após a conquista da Terra Prometida, o povo hebreu viveu muitos anos sem uma liderança centralizada. Esse período foi denominado de ciclo dos juízes – por volta dos anos 1.200 a 1.050 a.C. Ao longo desse tempo, treze líderes foram escolhidos por Deus para enfrentar os inimigos de Israel e preservar o território conquistado. Um deles era uma mulher chamada Débora, que se assentava sob uma palmeira entre Ramá e Betel, onde os israelitas a procuravam para que julgasse as questões deles (Jz 4.5).

Coincidentemente, hoje, no Brasil, a Associação Nacional dos Magistrados Evangélicos (ANAMEL), criada em 2001, é presidida por uma mulher, a desembargadora Nilsoni de Freitas Custódio, 70 anos, que integra a Terceira Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em Brasília (DF). Ao falar de Débora, ela diz não ter dúvidas de que aquela juíza “foi uma mulher bastante forte e decisiva”, razão de servir de exemplo aos magistrados cristãos. Afinal, de acordo com Custódio, ter sabedoria é a chave para prestar um serviço de excelência no Judiciário. “A Bíblia Sagrada oferece respostas de justiça e integridade, com virtudes básicas para o exercício pleno da magistratura”, acrescenta Nilsoni, revelando que um de seus livros preferidos é justamente o de Provérbios. “Ele nos refina nas situações mais corriqueiras de nossa vida. Um dos meus versículos preferidos é: Balança enganosa é abominação para o SENHOR, mas o peso justo é o seu prazer (Pv 11.1)”, afirma.

A desembargadora Nilsoni de Freitas Custódio, da Terceira Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em Brasília (DF): “A Bíblia Sagrada oferece respostas de justiça e integridade, com virtudes básicas para o exercício pleno da magistratura”
Foto: Divulgação

Nascida em Goiânia (GO), a desembargadora conta sua trajetória de esforço, dedicação e sucesso na área jurídica. Ela se formou em Anápolis (GO) pela Faculdade de Direito da Universidade Evangélica de Goiás (UniEvangélica), em 1984, e foi promotora de Justiça no estado de Goiás, onde atuou também na Justiça Eleitoral. Ingressou na magistratura em outubro de 1991, como juíza de Direito substituta, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).

Em março de 1997, depois de participar de um evento da Associação de Homens de Negócio do Evangelho Pleno (ADHONEP), ao ser impactada pela mensagem, Nilsoni entregou sua vida a Cristo. Em dezembro de 2011, foi promovida a desembargadora do TJDFT pelo critério de merecimento e, em março de 2022, designada pelo Conselho Nacional de Justiça a ocupar o cargo de ouvidora auxiliar da mulher para a Justiça Eleitoral.

A juíza Leidejane Chieza Gomes da Silva, titular da Vara Única de Natividade (RJ) e Varre-Sai (RJ), municípios do Norte Fluminense, destaca: “A Bíblia influencia a minha vida em tudo”
Foto: Divulgação

Na opinião da magistrada, a violência contra a mulher tem sido um dos males do presente século – problema que a Justiça tem exercido papel essencial em prevenir e combater por meio de ações, como a edição da Lei Maria da Penha, a criação de varas especializadas e programas voltados à proteção das mulheres. No entanto, ela defende a tese de que as comunidades de fé devem entrar nessa luta. “A violência contra a mulher é crescente até mesmo em lares cristãos. A Igreja Evangélica precisa assumir um papel mais atuante, de esclarecimento dos direitos das mulheres e sobre as formas de violência, destacando a posição ocupada pela mulher no matrimônio sob a visão bíblica. E, assim, esclarecer sobre a complexidade do tema nas famílias cristãs, promovendo encontros e debates”, propõe.

Mensagem bíblica – Outra mulher que busca honrar a Deus, no exercício da magistratura, é a juíza Leidejane Chieza Gomes da Silva, 57 anos, titular da Vara Única de Natividade (RJ) e Varre-Sai (RJ), municípios do Norte Fluminense. Natural de Nilópolis (RJ), na Baixada Fluminense, Leidejane teve uma infância com escassez. Aos nove anos, já trabalhava, levando para a escola crianças da mesma idade que ela. Bisneta de pessoas escravizadas, ela foi a primeira integrante da família a concluir um curso de Nível Superior, formando-se em Direito pela Universidade Cândido Mendes, em 1993. No ano seguinte, ingressou no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), como auxiliar-judiciário, mas, doze anos depois, prestou concurso e foi aprovada para o cargo de juíza.

Fachada do prédio do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) no Centro da capital fluminense
Foto: Divulgação

Para Leidejane, o sistema de cotas, em vigor desde agosto de 2012, ainda é insuficiente para diminuir as desigualdades sociais, porque falta uma educação de base para todos. “Até conseguirmos reverter esse débito social com a população negra, temos um processo muito longo”, observa a juíza, que se converteu ao Evangelho aos 17 anos, em um culto jovem da Primeira Igreja Batista de Olinda, em Nilópolis. “A Bíblia influencia a minha vida em tudo”, destaca.

Com isso em mente, a togada afirma que, se o juiz olhar para o jurisdicionado [sujeito que está submetido ao julgamento do Judiciário] como Cristo vê o indivíduo, a decisão dele será justa. “Vejo a necessidade das pessoas e não apenas um processo”, afirma a magistrada, que sempre busca a conciliação entre as partes e, quando possível, transmite uma mensagem bíblica em suas audiências. A juíza relata o caso de Elias Davi, um jovem condenado por homicídio que havia recebido uma pena alta . “Pedi a Deus que me desse uma Palavra. Então, eu me lembrei de que tanto Elias quanto Davi tiveram de se refugiar em cavernas. Disse a ele que a caverna é um lugar de reflexão, que o Senhor tinha algo para lhe revelar”. E ressaltou: “Deus não vai desistir de você, enquanto você não entender”. Anos depois, encontrei a irmã do jovem, e ela me disse que o dia da condenação o tinha marcado definitivamente, de modo inexplicável.”

O desembargador Fabio Dutra, convertido desde os dez anos, recorda-se: “Atendi ao apelo para aceitar Cristo, feito pelo Pr. Everaldo Pereira França, e me tornei um leitor voraz da Bíblia”
Foto: Jorge Antonio Barros

Nascido e criado em lar evangélico, o desembargador Fabio Dutra, 68 anos, da 10ª Câmara de Direito Privado do TJ-RJ, também teve uma origem simples. Sua família era de Santo Antônio de Pádua (RJ), no interior do estado. Mas seu pai decidiu migrar para São Gonçalo (RJ), na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, durante o êxodo rural ocorrido no país nos anos 1960. Ele trocou o trabalho na roça por uma vaga de auxiliar de limpeza no Colégio Batista de Laranjal, onde o atual desembargador estudou.

Dutra se entregou a Jesus em 1966, aos dez anos, na Igreja Batista do Laranjal, em São Gonçalo (RJ). “Atendi ao apelo para aceitar Cristo, feito pelo Pr. Everaldo Pereira França, e me tornei um leitor voraz da Bíblia.” Cursou Direito na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde se formou em 1982. Depois, por seis anos, trabalhou em escritórios de advocacia, até que surgiu a chance de se inscrever no concurso para a magistratura. Ingressou no Tribunal de Justiça em 1988 e, vinte anos depois, foi promovido a desembargador. Com mestrado pela antiga Universidade Gama Filho (UGF), no Rio de Janeiro (RJ), tornou-se professor universitário, lecionando por 21 anos. Atualmente, retornou aos ao meio acadêmico para estudar Teologia.

O desembargador federal William Douglas esclarece: “A Bíblia influencia minha visão de mundo, mas isso não pode mudar a aplicação da lei”
Foto: Arquivo pessoal

Por cinco anos, Fabio Dutra dirigiu o quadro Justiça e Cidadania, na TV Educativa, o que o levou a uma posição de influenciador entre os colegas da magistratura. “Creio que não se pode negociar com a Justiça nem com a verdade. Os ilícitos devem ser punidos, a compaixão e a tolerância têm de ser exercidas, mas não com o sacrifício da norma que existe para regular o comportamento do homem em sociedade”, afirma Dutra.

Experiência espiritual – Outro magistrado influente é o desembargador federal William Douglas Resinente dos Santos, 55 anos. Professor universitário, palestrante e escritor com vários títulos publicados, ele é autor de dois best-sellers: 25 leis bíblicas de sucesso e Como passar em provas e concursos (em sua 29ª edição), ambos pela editora Impetus. Formado em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestre em Direito pela Universidade Gama Filho (UGF), tornou-se, recentemente, também um influenciador digital: conta com 312 mil seguidores no Instagram, 374 mil no Facebook e 60 mil no Twitter. Seu canal no YouTube tem 84 mil inscritos e seus 268 vídeos somam mais de dez milhões de visualizações. Em 1993, foi aprovado em concurso da Justiça Federal, tornando-se o juiz mais novo do país, aos 25 anos. Em 2021, chegou ao cargo de desembargador por antiguidade e é lotado na Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), especializada em Direito Tributário.

Foto: Pexels / Katrin Bolovtsova

Em meio a todas essas vivências, o desembargador federal não deixa de citar, emocionado, uma experiência espiritual que teve aos 15 anos de idade, que o levou de volta à fé: “Fui pular um muro bem alto e comecei a escorregar. Nessa hora, vi uma mão branca e enorme que me botou em cima do muro. Vão achar que sou louco ou acreditar que Deus faz milagres”, conta o magistrado, que, tendo nascido em um lar evangélico, converteu-se aos cinco anos e, três anos depois, foi batizado nas águas.

William Douglas faz parte do grupo de magistrados cristãos que mantém o equilíbrio entre a fé, a ética e a justa aplicação da legislação vigente no país. “A fé não pode levar à decisão final, porque esta tem de ser tomada com base nas leis. A Bíblia influencia minha visão de mundo, mas isso não pode mudar a aplicação da lei”, esclarece o magistrado.

Aplicar as leis é um desafio, uma vez que, de modo geral, há insatisfação de metade das partes não atendidas em seus pedidos no Poder Judiciário. Por isso, fiscalizar o poder forense não é tarefa para qualquer um. Que o diga o desembargador Marcelo Augusto Souto de Oliveira, 57 anos, corregedor do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1). Com longa carreira na magistratura – 31 anos –, Oliveira conta com a sabedoria dada por Deus.

O desembargador Marcelo Augusto Souto de Oliveira, corregedor do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1), aconselha: “O profissional do Direito deve buscar o caráter de Cristo para exercer plenamente suas funções”
Foto: Divulgação

Cristão desde os 16 anos, Marcelo Augusto se formou em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mas relata ter enfrentado dificuldade de exercer a atividade de advogado por questões éticas. Por outro lado, o desembargador reconhece que o exercício da função de magistrado requer uma visão constitucional e laica, sem considerar o contexto religioso. No entanto, ele enfatiza que juiz cristão, embora deva julgar conforme a lei, precisa viver de acordo com os valores apregoados no Novo Testamento. “O profissional do Direito deve buscar o caráter de Cristo para exercer plenamente suas funções”, conclui.

MAGISTRATURA EVANGÉLICA

Foto: Divulgação

Fundada em 2001, a Associação Nacional dos Magistrados Evangélicos (ANAMEL) reúne cerca de 300 associados de todo o país. A organização foi idealizada pelo desembargador Fabio Dutra e criada em uma reunião realizada em Itaboraí (RJ), da qual participaram 11 magistrados – quase o mesmo número de juízes da Bíblia. Seu principal objetivo, segundo Dutra, é reunir togados que professem a fé evangélica para trocarem experiências e conhecimento à luz dos valores cristãos.

Eleito presidente da instituição, em 2013, e reeleito em 2017, Fabio Dutra observa que “a ANAMEL é um porto para os magistrados evangélicos que quiserem se integrar”. Para a atual presidente, a desembargadora Nilsoni de Freitas, a associação precisa se tornar ainda mais conhecida, a fim de propagar os valores do Reino de Deus, de “paz, justiça e alegria”. De 30 de novembro a 1º de dezembro de 2023, com a participação de associados e convidados, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a organização realizou o 2º Seminário da ANAMEL (foto), cujo título foi: Perspectivas e Atualidades Jurídicas.


2 Comments

  1. ANDRE FERREIRA disse:

    Boa noite a todos. A paz do Senhor Jesus Cristo! Conheci a juíza Leidejane Chieza Gomes da Silva no Fórum de Itaperuna em 2007. Quando tinha 24 anos, cometi crimes e fui parar no cárcere. Tive o prazer de conhecer essa mulher virtuosa de Deus. Eu estive preso fisicamente, mas fui liberto espiritualmente dentro do cárcere. Consegui me reconciliar com o Senhor Jesus Cristo.
    Acreditem, em meio ao processo, tudo na minha vida passou a dar errado justamente no mês da audiência. Meu irmão veio a falecer em acidente de carro, meu advogado abandonou minha causa e a pessoa que foi presa comigo não pode ir ao Forum por falta de viatura. A audiência, então, seria remarcada para uma data distante. Pensem em um dia complicado! Já não suportava ficar mais um dia longe da minha esposa e de minha filha. Aí perguntei à meritíssima se eu, na condição de preso e sem advogado, poderia falar. Ela disse que sim, que eu falasse à vontade, e que eu não precisava chamá-la de meritíssima.
    Abri meu coração, expliquei toda a situação que estava vivendo nos últimos dias e acreditem: ela me ouviu e ainda falou de Jesus para mim. Abriu sua Bíblia em Salmos e disse: “André, tu crês no Senhor Jesus Cristo?” Eu respondi: “Sim, meritíssima”. Ela disse, então, que está escrito no Livro dos Salmos que o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã. “Era para ter a sua audiência hoje, mas tudo estava desfavorável para você. Estou remarcando sua audiência para amanhã. Creia tão somente, meu filho”, disse ela.
    No dia seguinte, retornei ao Forum para a audiência e ela e o promotor concederam a liberdade. Fui a outras audiências após a concessão da liberdade. Como moro em Niterói (RJ), são aproximadamente 6h de viagem até Itaperuna. Eu viajava à noite e chegava lá de madrugada. Ficava na porta do Fórum até o horário da audiência. Quando chegou a minha vez, ela, tendo sido informada que eu estava lá desde de cedo, acreditem, pegou o próprio pão, partiu e me deu de comer. Além disso, repartiu o suco comigo. Eu disse a ela que a minha maior preocupação era haver algum contratempo, que ocorresse algum acidente na rodovia que fizesse eu chegar atrasado e, assim, fazer eu faltar à audiência e voltar para o cárcere. Ela me orientou a pegar o número do cartório e comunicar se isso ocorresse um dia, para que eu não me preocupasse.
    Desde aquela época, até os dias de hoje, volto sempre ao Presídio Tiago Teles de Castro Domingues (em São Gonçalo-RJ), à Cadeia Pública Juíza Patrícia Lourival Acioli (em São Gonçalo-RJ), ao Presídio Romeiro Neto (em Magé-RJ), ao Presídio Hélio Gomes (em Magé-RJ), ao Presídio Evaristo de Moraes (no Rio de Janeiro-RJ), no no Instituto Penal Santo Expedito (no Rio de Janeiro-RJ) e na Casa de Custódia de Benfica (no Rio de Janeiro-RJ). Mas, agora, não mais como um infrator da lei, mas sim como Agente Religioso registrado na Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP) do Estado do Rio de Janeiro, para glória de Deus!
    Hoje estou com 42 anos, e minha família cresceu: agora são três filhos, todos na presença de Deus. O Senhor faz infinitamente mais do que pedimos e imaginamos. Deus é fiel!

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