Entrevista | Revista Graça/Show da Fé
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MÃO DUPLA

A importância de promover a integração entre a comunidade cristã e o universo acadêmico

POR MARCELO SANTOS

Em sua sala no Departamento de Engenharia Mecânica e Naval da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), o professor Gustavo Assi, 38 anos, possui prateleiras repletas de livros divididos por temas. De um lado, um vasto material de suas pesquisas acadêmicas. Do outro, um amplo acervo com textos referentes à fé e espiritualidade cristã. Ambos os assuntos fazem parte do dia a dia desse paulistano, presbítero da Igreja Presbiteriana Ebenézer, na zona norte de São Paulo.

Casado e pai de dois filhos, ele é secretário-executivo da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2). Fundada em novembro de 2016, a organização se propõe a promover o diálogo entre a Igreja e a Academia. Para falar um pouco desse trabalho, Gustavo recebeu a reportagem de Graça/Show da Fé para a seguinte conversa:

O que é a ABC2?

Nossa missão é promover o diálogo entre a fé e a razão. Não é uma reunião de cientistas que se interessam pela fé. Pelo contrário: são cristãos que se interessam pela ciência. Não é preciso ter doutorado, ser graduado ou ter feito cursos de Exatas ou Biológicas para ser membro. Temos, aproximadamente, 60 grupos e cerca de 400 associados que participam das atividades pelo país. Em São Paulo, temos o grupo da USP, que se reúne no Centro Cultural Vergueiro [na zona sul da cidade] e o do Mackenzie [universidade presbiteriana situada na zona oeste paulistana]. É uma associação de cristãos que querem participar, servir de ponte entre a comunidade de fé e a acadêmica.

Como acontece essa interação?

Tanto a comunidade da igreja quanto a comunidade científica falam uma linguagem e possuem um jargão. É difícil haver um diálogo entre esses dois campos sem a presença de um tradutor. O papel da associação é justamente o de atuar como esse intérprete. A associação tem o respaldo da comunidade de fé, porque reúne cristãos, mas, também, conta com o apoio da academia, porque congrega professores universitários ou doutores. Precisamos estar na igreja local e estudar Teologia, porém temos de apresentar as credenciais acadêmicas para fazer essa mediação e construir o diálogo entre as duas áreas. Temos de ser cristãos verdadeiros, dando testemunho aqui e lá de que tudo pertence a Cristo. Essa é a nossa tarefa.

Há alguns anos, era comum muitos pastores se preocuparem com a entrada do jovem na universidade, não é?

Verdade. Há um perigo nisso, sim. Contudo, o cristão tem de estar fortalecido e pronto para dar razão à sua fé e interagir com a cultura. Quando expomos algo no campo das ideias, obviamente haverá debates; portanto, temos de tomar cuidado com os jovens na transição à universidade. Isso porque, às vezes, eles não estão preparados e abandonam a fé, por não conseguirem lidar com essas questões. No entanto, o caminho não é evitarem a universidade nem terem uma vida monástica, sem interação com os ambientes que os cercam. Estamos aqui para transformar esse mundo pela renovação feita pelo Espírito Santo em nossa mente. Assim, como agentes do Reino, é necessário exercermos o papel de sal onde vivemos.

O senhor acredita que a fé pode ajudar a elucidar mistérios na pesquisa científica?

Se cremos que Deus criou todo o Universo, e essa é uma informação de fé, é óbvio que podemos perceber a glória dEle em tudo ao redor. Os céus declaram a glória do Senhor, a criação anuncia as Suas obras [Sl 19.1]. Agora, buscar explicações científicas que provem a fé é um equívoco. Essa é uma crítica teológica, não científica. O mundo natural tem limites, e a investigação dele, por meio da ciência, também. A ciência é boa para explicar como as coisas funcionam, os mecanismos, as causas e os efeitos da natureza. Porém, não consegue olhar para o mundo natural e identificar questões, como propósito, amor ou intenções. Não adianta esperar que a ciência traga respostas últimas [definitivas]. Ela sempre terá o que chamamos de respostas penúltimas. Sendo assim, ainda vai deixar a curiosidade com fome.

A ciência não promove fé?

A fé é dom de Deus, é graça, para que ninguém se glorie, como declara o apóstolo Paulo [Ef 2.8]. Não descubro, conquisto ou desenvolvo a fé. Se conseguisse fazer isso, por meio da investigação do mundo natural, minha fé não seria mais dom de Deus, mas mérito meu. Esse caminho de tentar provar a fé pela ciência não é dom do Senhor. É mérito de quem prova. A única semente que pode gerar fé é a pregação da loucura do Evangelho [1 Co 15.21]. E ela não depende de nenhum conhecimento científico para gerar fé. Toda a humanidade, antes da ciência moderna, entendia a mensagem do Evangelho. Não são apenas os estudados, os que têm condição de assimilar tudo, que podem ter fé. O caboclo da roça compreende que Jesus veio para salvá-lo.  

Como se evangeliza na universidade?

Da mesma forma que em qualquer outro lugar. Conhecendo as pessoas, dando testemunho de vida cristã e pregando o Evangelho, com a mensagem de João 3.16 [Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna]. A ciência ajuda, pois aguça as curiosidades penúltimas, deixando a pessoa com fome. Ela vai olhar para um átomo e pensar: “Que coisa perfeita! Como pode? De onde veio?”; fitará uma galáxia e fará as mesmas perguntas. Isso não responde, não gera fé, no entanto abre o apetite. E essa fome é do tamanho de Cristo. Não é a informação científica que saciará essa fome, apenas a fé o fará.

Então, por que a informação científica ganha tanto peso?

Porque vivemos em uma Era Científica. A ciência é, para o mundo secular, o deus do nosso tempo, a dona da verdade. Antes da ciência moderna, não era o conhecimento científico que fazia esse papel. O Estado e as religiões já fizeram. Quem tem hoje condições de dizer a verdade? A ciência se posiciona a favor de pessoas com uma mente naturalista. Mas veja que interessante: quem crê não diz que a ciência não existe ou é maldita. Pelo contrário: para o indivíduo que tem fé, há uma mudança de olhar a respeito dela. Ele a possui e diz: “Isso pertence a Deus, é de Cristo”. Não existe um centímetro quadrado, como diria Kuyper [Abraham Kuyper, jornalista e teólogo holandês do século 19], que não seja de Cristo – inclusive a ciência! Quando vê uma célula se dividindo e formando o embrião, o crente consegue dar glórias a Deus diante disso. Vê o mecanismo intricado: as leis da Física, da Biologia e da Química funcionando. 

Gustavo Assi
Professor da Escola Politécnica da USP e secretário-executivo da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência

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