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Foto: Divulgação / Sociedades Bíblicas Unidas

A Bíblia para todos

Organizações internacionais lançam campanha para tornar a Palavra acessível a todos os povos até 2033

Por Patrícia Scott

Imagine sua vida se você não conhecesse a Verdade. Não conhecesse o amor incondicional de Jesus. Não conhecesse a Palavra de Deus capaz de transformar vidas, porque ela não existia em sua língua. Essa é a dura realidade para mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo. Ajude-os a saber. Ajude-os agora. Porque saber a Verdade muda tudo. Com esse apelo, os idealizadores da campanha internacional I Want to Know (Eu Quero Saber) pretendem mobilizar milhões de cristãos ao redor do globo para o maior projeto de tradução da Bíblia de toda a História. Para isso, as principais organizações do mundo envolvidas em projetos de tradução das Escrituras formaram a Illuminations Alliance, uma associação que pretende tornar a Palavra de Deus acessível a todos os povos do globo terrestre até 2033.

A ideia é alcançar 3,8 mil comunidades linguísticas que não possuem a Bíblia completa em seu idioma. Dessas, mais de duas mil não têm um versículo sequer do Livro Sagrado traduzido. O projeto espera que, em 12 anos, 95% da população mundial tenha acesso a uma Bíblia completa, 99,96% a um Novo Testamento e 100% a, pelo menos, alguma porção do Texto Santo. Qualquer pessoa pode se engajar no projeto: orando, divulgando a iniciativa em suas redes sociais ou contribuindo financeiramente por meio do site https://illuminations.bible/ (em inglês). Na página, há outras informações sobre o projeto e, principalmente, testemunhos de vidas transformadas pelo acesso à Palavra na própria língua.

Somente no Brasil há, pelo menos, 180 línguas autóctones (nativas) sem a tradução das Escrituras, segundo dados da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). “A falta de informação faz as pessoas acreditarem que somente a Bíblia em português é suficiente”, salienta Paulo Teixeira, secretário de Tradução e Publicações da SBB. Ele esclarece que a eficácia da obra evangelística ou missionária não está condicionada ao povo ter a Bíblia completa na sua língua materna. “O Espírito Santo age do jeito que deseja, e o evangelista, missionário ou pastor podem iniciar o trabalho, por exemplo, traduzindo pequenas porções do texto bíblico.” Contudo, Paulo Teixeira lembra que o trabalho de tradução é bastante necessário, pois o ser humano pensa e compreende melhor a mensagem quando ela é transmitida em sua primeira língua. “O idioma ensinado pela mãe ecoa com doçura nos ouvidos do filho. Assim é a voz de Deus quando transmitida na linguagem nativa”, compara.

Paulo Teixeira, secretário de Tradução e Publicações da SBB: “A falta de informação faz as pessoas acreditarem que somente a Bíblia em português é suficiente” Foto: Divulgação

O Pr. Benjamin Reys faz coro com Teixeira. Segundo ele, as pessoas são mais receptivas a novas ideias quando expressadas no idioma do coração, ou seja, na língua materna do indivíduo. “Dessa forma, o cristianismo tem a possibilidade de ser visto como uma religião nativa e não imperialista ou colonizadora”, pontua o pastor, o qual atua na TMS Global, uma organização cristã interdenominacional que recruta, treina e envia missionários transculturais para diversas partes do mundo.

Segundo Reys, é comum a muitos cristãos a ideia de que os novos meios de comunicação abrangem todos os aspectos da pregação da Palavra de Deus no Brasil e no exterior. No entanto, o ministro ressalta que isso não é verdade, pois existem fronteiras culturais a serem cruzadas, mesmo dentro do território brasileiro. “É preciso apoiar inciativas nacionais de tradução da Bíblia, pois o custo é alto. Falta divulgação dessa necessidade.”

Como entender – Há 65 anos, a Missão Portas Abertas (MPA) distribui a Bíblia para cristãos que residem em países onde há perseguição religiosa. E, para executar essa tarefa, conta com parcerias de Sociedades Bíblicas, que desenvolvem o árduo trabalho de tradução das Escrituras. “Assim, temos a certeza de que a Palavra chegará a esses cristãos, os quais serão discipulados, treinados e fortalecidos à luz do Texto Sagrado”, frisa Marco Cruz, secretário-geral da MPA no Brasil.

O Pr. Benjamin Reys pontua: “Dessa forma, o cristianismo tem a possibilidade de ser visto como uma religião nativa e não imperialista ou colonizadora” Foto: Arquivo pessoal

Com a ampliação da disponibilidade da Palavra, de acordo com ele, a Igreja cresce forte e avança, mesmo enfrentando a falta de liberdade para professar a fé cristã. “A autonomia de ler a Bíblia sem um tradutor local facilita o estudo diário, além de possibilitar que o cristão tenha mais intimidade com Deus, aprofundando seus conhecimentos”, destaca Cruz, lembrando que a Missão Portas Abertas já distribuiu mais de 1,87 milhão de Bíblias e literaturas cristãs aos perseguidos.

Outro aspecto do plano de tradução da Illuminations é que ele não se restringe aos impressos: serão contemplados os povos que não têm linguagem escrita, como é o caso de algumas culturas que transmitem ensinamentos apenas oralmente e das comunidades surdas, as quais usam linguagens de sinais. De acordo com a Deaf Bible Society, uma organização internacional voltada para a evangelização de surdos, 95% das línguas de sinais não têm tradução da Bíblia. [Leia o quadro Longo processo]

O Pr. Luciano Martins, diretor do Instituto Educacional Metodista Bispo Scilla Franco, de São José do Rio Preto (SP), pontua que o Evangelho de Cristo não exclui essas pessoas. Afinal, também a elas se aplica a pergunta do eunuco em Atos 8.31: Como poderei entender, se alguém me não ensinar? “Ao longo da vida, muitas pessoas parecem invisíveis. Não porque queremos deixar de enxergá-las, mas por não haver a oportunidade de uma convivência”, pondera o pastor, destacando que ter a Bíblia traduzida na Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) é essencial para aproximar a Igreja e sua mensagem do público surdo. Martins explica que muitos deficientes auditivos não são alfabetizados em língua portuguesa e, portanto, não podem ler a Palavra de Deus impressa. “As iniciativas voltadas para esse público visam à divulgação da Bíblia em vídeo, traduzindo as passagens para a linguagem de sinais.”

Marco Cruz, secretário-geral da Portas Abertas no Brasil: “A autonomia de ler a Bíblia sem um tradutor local facilita o estudo diário, além de possibilitar que o cristão tenha mais intimidade com Deus” Foto: Divulgação / Missão Portas Abertas

Requer amor” – A missionária Betânia Rodrigues da Silva de Carvalho informa que um grupo só passa a entender o sentido das Boas-Novas quando tem acesso à Palavra em sua língua. “Ao receberem porções do Novo Testamento, os indígenas ianomâmis disseram que a Palavra soou como mel para os ouvidos e proporcionou uma explosão na mente”, assevera Betânia, tradutora da Bíblia e integrante do Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (CONPLEI) e da Pioneiros, uma agência missionária internacional que tem a missão de mobilizar equipes para atuar entre os povos não alcançados.

Segundo ela, é importante compreender que a tradução não é feita palavra por palavra, e sim por palavras-chave, dentro da cosmovisão do povo. “É um processo no qual a comunidade está inserida”, informa, citando que, em muitos casos, quando as pessoas não são alfabetizadas, os missionários podem atuar também como alfabetizadores. Para Betânia, existe uma necessidade grande atualmente de conseguir missionários que igualmente atuem em projetos de tradução. “Outro desafio é capacitar o nativo, para que ele seja um tradutor da Palavra.”

Porém, de acordo com Betânia, a Igreja brasileira ainda não abriu os olhos para a urgência do assunto. “Conheço vários missionários que fazem a tradução da Bíblia, no Brasil, porém com recursos provenientes de igrejas estrangeiras, principalmente norte-americanas”, afirma ela, lembrando que o processo de tradução é longo e exige mais do que recursos financeiros: “Requer amor”.

Pr. Luciano Martins: “As iniciativas voltadas para esse público visam à divulgação da Bíblia em vídeo, traduzindo as passagens para a linguagem de sinais” Foto: Arquivo pessoal

Na visão do Pr. Leon Costa, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no Peru, a tradução do Livro Sagrado é fundamental para o crescimento e desenvolvimento da Igreja. “Isso faz as pessoas se identificarem e entenderem com clareza os ensinamentos do Senhor. O acesso às Escrituras vem aumentando gradativamente não apenas no formato escrito, mas também em áudio”, sublinha o pregador, ressaltando que, entre os povos nos quais há distribuição da Bíblia traduzida no idioma local, o número de convertidos é maior do que entre aqueles que ainda não a possuem. E, assim, cumpre-se a promessa divina registrada no livro de Isaías acerca da divulgação da Palavra do Senhor: Ela não voltará para mim vazia; antes, fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a enviei (Is 55.11b).

Longo processo

O trabalho de tradução da Bíblia começa com a prospecção, realizada por igrejas locais ou agências missionárias, de um ou mais povos que ainda não têm as Escrituras na própria língua. Antes de iniciar o projeto de versão de linguagem, no entanto, é necessário saber:

1) Este idioma é a língua materna de quantas pessoas?

2) Existem tradutores preparados para fazer o trabalho?

3) Quais são os desafios geográficos, políticos ou religiosos para alcançar essa comunidade com o Evangelho?

Outro ponto importante a considerar é o tipo de mídia mais apropriado para cada grupo. Em se tratando de uma cultura que ainda não tem registro escrito, por exemplo, mas que conta com uma forte tradição oral, a versão impressa da Bíblia pode não ser a melhor opção. Por isso, muitas organizações missionárias que traduzem a Palavra de Deus gravam as Escrituras em áudio para distribuição por meio de aparelhos reprodutores sonoros. No caso das comunidades de surdos, opta-se pela produção de vídeos com as narrativas bíblicas traduzidas para a linguagem de sinais.

Assim, uma vez delimitados todos os detalhes do projeto, inicia-se a fase da busca de parceiros dispostos a patrociná-los. De posse dos recursos, é hora de treinar as pessoas que vão trabalhar na tarefa: missionários tradutores ou falantes nativos do idioma. Só assim, os serviços podem começar.

Os tradutores escolhem passagens ou histórias que julguem mais relevantes para aquele povo determinado e traduzem os textos. Assim que conseguem disponibilizar aquela porção bíblica na língua local, a tradução é lida para parte da comunidade de falantes com o objetivo de verificar se está suficientemente clara. Daí, feitas as devidas correções, o trabalho é revisado por um tradutor mais experiente a fim de garantir que a tradução esteja fidedigna.

Apesar de o alvo dos missionários sempre ser o de traduzir toda a Bíblia, eles não esperam que isso aconteça para só então começar a divulgar a Palavra de Deus naquele idioma. Tão logo uma porção das Escrituras esteja devidamente traduzida, eles iniciam a distribuição do(s) texto(s) à comunidade de falantes pelas mídias mais adequadas.

O próximo passo é avaliar o impacto causado por aquela porção da Palavra nas pessoas e, assim, traçar as próximas etapas do projeto até que toda a Bíblia seja traduzida. O processo de tradução, revisão e distribuição, que antes podia durar uma ou duas décadas, vem sendo abreviado pelo uso de vários recursos tecnológicos. Por isso, os objetivos do projeto Eu Quero Saber, embora pareçam ousados, são considerados plenamente factíveis, segundo especialistas da área. (Élidi Miranda, com informações de Illuminations Bible)


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