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Atualidade
01/01/2021
Telescópio – 258
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Foto: Christina @ WOCinTech / Unsplash

Desafio ministerial

Lideranças cristãs precisam estar prontas para amparar os feridos de alma

É comum as igrejas receberem homens e mulheres em busca de apoio emocional e espiritual. Isso exige das comunidades evangélicas os recursos certos para oferecer às pessoas que as procuram. Um levantamento realizado nos Estados Unidos (EUA) pelo Grupo Barna – especializado em pesquisas sobre o universo cristão – mostrou que a maioria dos pastores entrevistados concorda que a Igreja deve atendê-las, mas apontou o despreparo de muitos líderes para prestar o devido suporte aos necessitados. Entre os pastores entrevistados, apenas 30% se sentem bem preparados para ajudar suas ovelhas em questões de saúde mental e emocional. A maioria (64%) considera-se pouco preparada, e o restante (6%) não se acha preparado para enfrentar essas questões. A sondagem, feita em abril, durante um período de forte contágio do novo coronavírus, expôs que, independentemente de estarem ou não prontos para lidar com a situação emocional de suas ovelhas, diversos pastores se esforçam para tratar desse tema no púlpito: 39% dos respondentes informaram que eles mesmos, ou algum membro de sua equipe, haviam pregado sobre assuntos relacionados à saúde mental no mês anterior à investigação. 

Embora o estudo tenha sido levado a efeito nos EUA, há quem diga que o resultado de uma pesquisa dessa no Brasil revelaria respostas semelhantes. É o que pensa o psicólogo e pastor Josenildo Cardoso Cavalcante, membro da Assembleia de Deus no bairro Siqueira Campos, em Aracaju (SE). Para ele, os cursos de Teologia não capacitam devidamente os ministros acerca de questões emocionais mais profundas. Por isso, Cavalcante defende que a preparação ideal seria um curso específico, como o de Psicologia. Segundo ele, algumas faculdades têm despertado para isso, oferecendo formação de nível básico e avançado em Psicologia Pastoral. “Um líder sem conhecimento nessa área dificilmente conseguirá oferecer o atendimento necessário a uma pessoa que apresente sérios problemas emocionais. Seria como um cego guiando outro. Ambos poderão cair no abismo.”

O psicólogo Josenildo Cavalcante: “Um líder sem conhecimento nessa área dificilmente conseguirá oferecer o atendimento necessário a uma pessoa que apresente sérios problemas emocionais” Foto: Arquivo pessoal

Para Josenildo Cavalcante, na condição de “agência de Deus” na Terra, a Igreja deve lançar mão de todas as ferramentas disponíveis visando ao aperfeiçoamento dos santos. “A liderança precisa voltar a ter o ‘escritório’ aberto para o aconselhamento pastoral, principalmente para receber as ovelhas que sofreram trauma. Nesse sentido, de forma geral, os líderes têm deixado a desejar.”

Foto:  Priscilla du Preez / Unsplash

O Pr. Abner Morillas, da Primeira Igreja Batista de Santo André (SP), também entende que as comunidades cristãs e suas lideranças não estão preparadas para dar o suporte efetivo aos desesperançados e traumatizados. Conforme explica o pregador, que é doutor em Psiquiatria e professor da Faculdade Teológica Batista de São Paulo, o aconselhamento cristão, de um modo geral, continua sendo amador no país. “Tem havido um aumento nos tipos de transtornos emocionais. Por isso, é indispensável entendermos cada um de seus aspectos para chegarmos a um diagnóstico correto”, pontua o especialista, deixando claro o quanto o conhecimento científico nesse tipo de acompanhamento é relevante. 

Pr. Abner Morillas: “Tem havido um aumento nos tipos de transtornos emocionais. Por isso, é indispensável entendermos cada um de seus aspectos para chegarmos a um diagnóstico correto”

Fazendo uma análise mais abrangente, ele observa que a sociedade tem adoecido cada vez mais do ponto de vista emocional. “As demandas do mundo moderno têm influenciado o comportamento dos indivíduos”, observa Morillas, exemplificando com o fato de as pessoas estarem trabalhando mais e tendo menos tempo para o lazer. Ele pontua que esse tipo de rotina tende a gerar transtornos de humor e de personalidade, entre outros. “Crianças e jovens também são atingidos ao serem absorvidos pelo universo cibernético, o qual, com seus diferentes recursos tecnológicos, faz a vida real ser para eles um lugar sem graça.”

Pastor e membros – Na avaliação da psicóloga Ana Lúcia Moreira Rodrigues, as comunidades cristãs desta nação tendem a focar, na maior parte das vezes, o lado espiritual, esquecendo-se dos aspectos emocionais que levam várias pessoas a buscar ajuda na casa de Deus. “São poucas aquelas que compreendem a grande utilidade de um trabalho terapêutico realizado por um profissional capacitado”, comenta Rodrigues, pastora da Igreja do Evangelho Quadrangular em Santa Eugênia, na cidade de Nova Iguaçu (RJ), na Baixada Fluminense. Sem a orientação apropriada, acrescenta ela, em vez de ajudar, a liderança pode até contribuir para o agravamento da situação e dificultar ainda mais a relação entre o pastor e o membro não tratado. 

A psicóloga Ana Lúcia Moreira Rodrigues: “São poucas aquelas que compreendem a grande utilidade de um trabalho terapêutico realizado por um profissional capacitado” Foto: Arquivo pessoal

Especialista em Psicanálise, Ana Lúcia Rodrigues acentua que todas as feridas emocionais têm início ainda na infância. “Quando a criança costuma ouvir dos pais mensagens de desvalorização, ela pode levar esse sentimento para a fase adulta. Assim, tenderá a se apegar a algo que lhe dê certa segurança emocional.”  Na igreja, frisa a psicóloga, há pessoas que buscam preencher essa carência no cargo que ocupam, pois é onde se sentem valorizadas. “Sem isso, sua vida e fé podem perder o sentido.”

Para o assistente social Evandro Gabriel Malavazi Silvério, da Igreja Metodista em Santana, zona norte de São Paulo (SP), é fundamental disseminar conteúdo sobre saúde emocional no ambiente eclesiástico. Ele acredita que os líderes e os membros das igrejas devem ter mais conhecimento acerca dos problemas mentais. De acordo com Silvério, isso fica evidente, por exemplo, no entendimento equivocado sobre a depressão, uma doença bastante comum na atualidade. Muitos cristãos ainda acreditam que ela seja proveniente apenas de causas espirituais, o que nem sempre é verdade. “É preciso despertar pastores e membros das igrejas para a importância de sua participação no cuidado com as pessoas, fazendo-as enxergar que certas questões não se limitam ao ambiente espiritual.”

O assistente social Evandro Gabriel Malavazi Silvério: “É preciso despertar pastores e membros das igrejas para a importância de sua participação no cuidado com as pessoas” Foto: Arquivo pessoal

Evandro Silvério lembra que todo líder evangélico tem uma enorme carga de responsabilidade sobre seus ombros. “Principalmente, quando se trata do cuidado espiritual e emocional da membresia.” Portanto, também na visão do assistente social, os pastores deveriam buscar capacitação por meio de cursos sobre saúde mental, tendo em vista a complexidade dos problemas que lhes são apresentados no dia a dia do ministério. “Qualquer doença ou desequilíbrio emocional podem comprometer a vida de alguém”, assinala o profissional, o qual tem experiência em prestação de serviço social na Cracolândia, no Centro da capital paulista. Embora prefira que um indivíduo já traumatizado e em sofrimento emocional seja acompanhado por um especialista, o assistente social acredita que um pastor devidamente capacitado possa desempenhar esse papel.  

Ajuda especializada – Na opinião da psicóloga Fátima Cristina Costa Fontes, porém, tal atuação nos arraiais eclesiásticos deve ser limitada. Ela salienta que há certos sofrimentos emocionais, da ordem dos transtornos psicológicos, pelos quais apenas os cuidadores especializados em Saúde Mental devem responsabilizar-se. Particularmente, a especialista é contra os trabalhos de “reestruturação emocional” conduzidos por leigos ou profissionais não qualificados. “Tenho visto enganos e falsas soluções. Na maior parte das vezes, os sintomas acabam se agravando”, alerta. 

A psicóloga Fátima Cristina Costa Fontes alerta: “Tenho visto enganos e falsas soluções. Na maior parte das vezes, os sintomas acabam se agravando” Foto: Arquivo pessoal

Membro da Igreja Batista da Liberdade, em São Paulo (SP) e doutora em Psicologia, a terapeuta pondera que os cursos de aconselhamento, oferecidos por algumas faculdades teológicas, conseguem mostrar para os pastores os limites de sua atuação nesse assunto. “Eles adquirem informação suficiente para saber quando uma ajuda mais especializada se faz necessária”, sublinha Fátima Fontes, indicando que a Igreja deve estar ciente de que as questões emocionais afetam a saúde espiritual dos cristãos. 

Para Fontes, as comunidades eclesiásticas podem tornar-se um agente de mudança, abrindo espaço para esses temas serem abordados no templo, de maneira eficaz, por profissionais competentes. Nesses encontros, ela diz que pode ser derrubada, por exemplo, a falsa tese de que os servos de Cristo estão livres de sofrer traumas; isso pode ser esclarecido. A terapeuta cita, então, as palavras de Jesus registradas em João 16.33: Tenho-vos dito isso, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo; eu venci o mundo. 

Pr. Daniel Costa: “A partir do momento em que a pessoa expõe seu drama, a liderança deve estar pronta para ajudá-la nesse processo, que pode ser bastante lento” Foto: Arquivo pessoal

O Pr. Daniel Costa, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) de Cabuçu, em Nova Iguaçu (RJ), na Baixada Fluminense, trata frequentemente de questões emocionais em suas pregações. Formado em Teologia e pós-graduado em Psicoterapia e Psicopedagogia, ele destaca que, por não saber analisar corretamente determinada situação, um líder pode deixar de ajudar eficientemente quem lhe pede auxílio. Porém, observa ele, além de aspectos científicos, essenciais para a correta identificação do problema levado à liderança da igreja, esse tipo de atendimento exige compaixão. “É preciso haver um ambiente favorável para o indivíduo conseguir externar suas queixas”, recomenda. Ele exemplifica citando o caso de um jovem que chegou à sua igreja, vindo de um lar desestruturado, no qual foi rejeitado e agredido. “A partir do momento em que a pessoa expõe seu drama, a liderança deve estar pronta para ajudá-la nesse processo, que pode ser bastante lento em determinados casos”, conclui. 


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