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Telescópio – 264
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Carta do Pastor à ovelha – 265
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Múltiplos significados
Pastores e especialistas explicam por que o termo “evangélico” ganhou variadas aplicações nos dias de hoje
Por Evandro Teixeira
O que significa ser evangélico? Há alguns anos, o pastor e pesquisador norte-americano Ryan Burge tem se dedicado a investigar a melhor definição dessa palavra nos Estados Unidos. Segundo ele, o vocábulo “evangélico” atualmente tem um caráter tanto religioso quanto ideológico naquele país. O estudioso explica que hoje essa denominação se aplica a, pelo menos, dois tipos de cristãos: os devotos, que comparecem à igreja dominicalmente, e os que não são assíduos aos cultos, mas se identificam com os primeiros, pois partilham certos pontos em comum, como a ideologia conservadora – a qual se opõe, por exemplo, à prática do aborto.
Ainda de acordo com Burge, a ideia de que o número de evangélicos está diminuindo nos EUA é falsa, pois o percentual de norte-americanos que se dizem nascidos de novo, ou seja, convertidos ao Evangelho, tem se mantido estável desde 1972. Isso significa que, para cada pessoa que é perdida, outra é ganha, analisou, em artigo publicado no blog Religion in Public, fazendo referência às que abandonam a fé e àquelas que aceitam Jesus.
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Foto: Arquivo pessoal
Porém, há um dado objetivo que merece atenção: a frequência aos cultos vem caindo, e o fenômeno ficou ainda mais claro na última década. Dados coletados por Burge em 2008 e 2020 mostram uma queda acentuada no número de evangélicos declarados que frequentavam semanalmente as igrejas. Eles eram 58% em 2008, e, em 2020, essa taxa caiu nove pontos percentuais (49,9%). Além disso, o percentual dos que raramente vão à igreja ou nunca comparecem aos cultos saltou de 16,1%, em 2008, para 26,7%, em 2020. Ou seja: a queda de frequência já era observada em anos anteriores e, portanto, não pode ser atribuída exclusivamente à pandemia.
No Brasil, não há informações tão precisas, mas é possível afirmar que nossa realidade é diferente da norte-americana. Isso porque, em primeiro lugar, a Igreja Evangélica brasileira está em franco crescimento. Uma estimativa divulgada pelo instituto de pesquisas Datafolha, no início de 2020, dava conta de que os evangélicos já somariam 31% da população brasileira, contra apenas 6% em 1980. [Leia a reportagem Explosão virtual, a partir da página 16] Os crentes daqui também parecem mais propensos que os norte-americanos a comparecer aos cultos públicos. Afinal, o número de espaços abertos com essa finalidade é crescente no país. Tomando como exemplo somente a cidade de São Paulo, estima-se que o número de igrejas evangélicas tenha subido 34% na última década, segundo informações do portal jornalístico de estatísticas Pindograma.
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Concepção histórica – A teóloga Glair Alonso Arruda, mestre e doutoranda em Ciência da Religião pela PUC-SP, acredita que a sondagem norte-americana sinaliza um fenômeno observável em várias partes do mundo: o surgimento de evangélicos que se autodenominam sem igreja ou não praticantes e aqueles que se declaram de múltiplo pertencimento. “Trata-se de uma situação em que a pessoa se diz evangélica e católica, algo que era incomum há alguns anos”, assevera Arruda, membro da Igreja Batista da Água Branca, na zona oeste de São Paulo (SP).
De acordo com a teóloga, o termo “evangélico”, no Brasil, pode ser entendido de duas formas. A primeira seria uma compreensão da palavra a partir do significado original de evangelho, derivado do latim evangelium, que denota boas-novas. “Assim, ser evangélico deveria equivaler a portar as boas notícias do perdão e do amor de Deus por todas as pessoas.” A segunda poderia ser entendida como a designação de uma filiação religiosa específica, que foi construída historicamente.
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Foto: Arquivo pessoal
Ela pontua que, no final do século 19, evangélico era a denominação do grupo de igrejas protestantes que preferiram se distinguir de duas tendências polarizadas que surgiram nos EUA e na Europa: os liberais, que, em última análise, negavam a inerrância das Escrituras, e os fundamentalistas, que tinham como base, entre outros pressupostos, a infalibilidade da Palavra de Deus. “Para se identificar de forma diferente, as igrejas passaram a acrescentar ‘evangélico’ à sua denominação. Assim surgiu, por exemplo, a Igreja Evangélica Luterana”, explica a cientista.
Entretanto, no Brasil, o termo passou a designar muitas comunidades cristãs que se identificavam com a doutrina protestante e que foram surgindo ao longo do tempo. A expressão se tornou tão abrangente a ponto de dificultar uma definição clara. Para o Rev. Sebastião Fernandes Bezerra, da Igreja Metodista Central em Ipatinga (MG), essa transição alterou a visão original da Igreja.
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Foto: Arquivo pessoal
Segundo ele, diversas congregações cristãs perderam parte de sua identidade, abandonando os princípios da Reforma Protestante, a visão do Reino de Deus e até a centralidade da Palavra do Senhor. “O sincretismo religioso é tão presente que ficou difícil definir o que de fato pode ser considerado evangélico”, observa Bezerra. Por outro lado, ele frisa que o termo designa bem mais que uma filiação religiosa: aponta para um estilo de vida, já que ser evangélico remete à ideia de uma transformação pessoal, ou seja, a conversão, o novo nascimento em Cristo.
Comunhão sólida – Para o Pr. Elton Magalhães Ribeiro, da Igreja do Evangelho Quadrangular em Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), o que pode definir alguém como evangélico é justamente essa mudança a partir da conversão e da prática dos ensinos de Cristo. “Aqueles que assim não procedem estarão apenas engrossando as fileiras dos evangélicos nominais, que se declaram crentes em Jesus, mas se mantêm ausentes dos cultos.”
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Foto: Arquivo pessoal
No entendimento de Ribeiro, a frequência à igreja é essencial para os verdadeiros evangélicos. “Eles precisam estar sempre aquecidos pela chama viva do Espírito Santo e alimentados pela Palavra para combater as investidas do mal”, acentua o ministro, ressaltando que o ambiente eclesiástico é a única forma de estabelecer uma comunhão sólida com os irmãos. Ele lembra dos vários milagres contidos na Bíblia, os quais ocorreram enquanto os cristãos estavam reunidos em oração. O pastor cita, por exemplo, o livro de Atos dos Apóstolos onde está registrada a forma sobrenatural como Pedro foi liberto da prisão. Agora, sei, verdadeiramente, que o Senhor enviou o seu anjo e me livrou da mão de Herodes […]. E, considerando ele nisso, foi à casa de Maria, mãe de João, que tinha por sobrenome Marcos, onde muitos estavam reunidos e oravam (At 12.11b, 12).
O Pr. Charles Henri Pereira Marques Rosa, líder da Igreja do Evangelho Quadrangular em Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), segue o mesmo raciocínio do Pr. Elton Ribeiro, ao lembrar que a brasa afastada do braseiro tende a esfriar, e, por isso, o evangélico deve estar em comunhão com uma comunidade de fé. “A Igreja tem o papel de oferecer amparo físico, emocional e espiritual ao cristão. Existe uma orientação bíblica clara sobre a necessidade de os irmãos estarem reunidos”, ensina, citando o texto de Hebreus 10.24,25a: E consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos à caridade e às boas obras, não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns.
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Foto: Arquivo pessoal
Já a Pra. Rafaela Evangelista Menezes, da Igreja Metodista no bairro Jardim Santo André, em Santo André (SP), observa que a assiduidade aos cultos não define se a pessoa passou pelo processo de regeneração em Cristo. Segundo ela, muita gente frequenta as reuniões cristãs apenas pela programação e não alimenta cotidianamente a comunhão com Deus. “Devemos, como pessoas que amam a Cristo, encontrar o equilíbrio”, orienta, reforçando o papel da igreja como local de fortalecimento de vínculos com o próximo, como está em 1 Tessalonicenses 5.14: Rogamo-vos também, irmãos, que admoesteis os desordeiros, consoleis os de pouco ânimo, sustenteis os fracos e sejais pacientes para com todos.
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Foto: Arquivo pessoal
Casa de Deus – O termo “evangélico” não é o mais apropriado para definir o seguidor de Jesus na opinião do Pr. Natalício Eugênio de Souza, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) de Caieiras, em Vespasiano (MG). Para ele, a palavra “cristão” se aplica melhor àquele que segue Cristo. Ademais, o pastor afirma que os praticantes da fé cristã jamais deixam de congregar e adorar ao Senhor. Segundo ele, as lideranças precisam mostrar aos membros que a estrutura física da igreja oferece o ambiente perfeito para quem busca apoio e comunhão espiritual. “Como membros de um só Corpo de Cristo, devemos nos manter ligados uns aos outros”, defende o líder, citando a passagem de Romanos 12.4,5: Porque assim como em um corpo temos muitos membros […] assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros.
Por sua vez, o Pr. Edson Tadeu Ferreira da Silva Júnior, da Igreja da Graça do bairro Liberdade, em Rio das Ostras (RJ), lembra que quem realmente é evangélico não alicerça sua fé em rótulos e títulos. “Um cristão genuíno é aquele que está compromissado com as Escrituras”, afirma o líder, observando que a melhor forma de reconhecer um autêntico servo de Deus é pelos frutos e pelo prazer de ir à casa de Deus, como registra o salmista: Alegrei-me quando me disseram: Vamos à Casa do SENHOR! (Sl 122.1).
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Na visão do Pr. Silas Rosalino de Queiroz, líder da Assembleia de Deus no bairro Jardim Presidencial 3, em Ji-Paraná (RO), o entendimento equivocado do que significa ser evangélico se deve à grande popularização do segmento nas últimas décadas. Isso produziu, em sua opinião, um novo contingente de seguidores com características distintas das comunidades cristãs tradicionais e históricas. Por isso, tornou-se “normal” ver pessoas se identificando como evangélicas, inclusive no meio artístico – uma “adesão” que, em alguns casos, pode representar mais visibilidade. Porém, ele ressalta que, de modo algum, essa deve ser a motivação para abraçar a fé em Cristo. “A Igreja precisa voltar à simplicidade do Evangelho, adotando uma vida de fé e devoção. Necessitamos da presença de Deus e Seu poder”, conclui.