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Foto: Priscilla du Preez / Unsplash

Evangelho solitário

Muitos cristãos consideram que sua vida espiritual é um assunto privado

Por Ana Cleide Pacheco

Em um mundo globalizado, onde as pessoas estão constantemente expondo a vida nas redes sociais, o termo privacidade parece um pouco fora de moda. Mas só parece: uma pesquisa realizada nos Estados Unidos mostrou que 56% dos cristãos acreditam que sua vida espiritual é inteiramente privada. A informação procede do levantamento Growing Together (em tradução livre, Crescendo juntos) do instituto Barna Group. O estudo, divulgado no primeiro semestre de 2022, reuniu dados de mais de cinco mil cristãos estadunidenses. Embora essas pessoas não estejam totalmente afastadas da comunidade religiosa e não se considerem “desigrejadas”, não têm o hábito de compartilhar as experiências espirituais com outros irmãos – e, em alguns casos, recusam-se a fazê-lo.

O historiador Idauro Campos Júnior avalia: “A internet foi criada para conectar pessoas. Pelo menos, essa era a intenção. Porém, na prática, o que se verifica é justamente o contrário”
Foto: Arquivo pessoal

O historiador Idauro Campos Júnior, 48 anos, pastor da Igreja Evangélica Congregacional de Niterói (RJ), acredita que alguns fatores podem estar contribuindo para esse afastamento da comunhão da Igreja. “A internet foi criada para conectar pessoas. Pelo menos, essa era a intenção. Porém, na prática, o que se verifica é justamente o contrário. A possibilidade de seguir a vida, sem precisar prestar contas a ninguém, produz o efeito do isolamento e do anonimato virtuais”, avalia.

Segundo Idauro Júnior, a pós-modernidade parece sugerir a existência de indivíduos absolutamente autônomos, confinados em um mundo próprio e incapazes de se adequarem a qualquer padrão além do seu. “Isso tem gerado uma crise de pertencimento na sociedade nos dias de hoje, implicando, inclusive, nos vínculos religiosos e compromissos eclesiásticos.”

Comunhão espiritual – Em diversas passagens, as Escrituras Sagradas exaltam a importância da comunhão com os irmãos. O primeiro versículo do Salmo 133 é um exemplo disso: Oh! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união. Para o psicólogo e pastor Gesiel Santos Martins, 39 anos, a vida espiritual do cristão não deve ser mantida na esfera privada, uma vez que isso segue na contramão da Bíblia. Ele acredita que, apesar de o comportamento dos estadunidenses não corresponder plenamente à realidade brasileira, é possível que, em breve, torne-se tendência aqui. “Adoramos importar coisas da América”, ironiza o líder, que está à frente da juventude da Igreja Batista de Tauá, na Ilha do Governador, zona norte do Rio de Janeiro (RJ). [Leia, no final desta reportagem, o quadro Criação divina]

O psicólogo e pastor Gesiel Santos Martins lembra que a vida espiritual do cristão não deve ser mantida na esfera privada, uma vez que isso segue na contramão da Bíblia
Foto: Arquivo pessoal

Em sua opinião, a fim de combater tal tendência, é preciso buscar imitar uma das características da Igreja primitiva: a koinonia (palavra grega que significa comunhão). O pastor lembra que esse termo, usado no Novo Testamento, vai muito além de uma relação social e humana, pois se trata da comunhão espiritual em Cristo. Assim, não é possível ser cristão e viver sua espiritualidade de forma privativa, pois isso estará em desacordo com a Palavra de Deus. “Dissociar vida cristã de comunhão é uma alteração na anatomia do Corpo de Cristo, que é a Igreja.”

O Pr. Henrique Ribeiro de Araújo, 44 anos, líder da Segunda Igreja Batista de Rondonópolis(MT), compartilha opinião semelhante à de Gesiel Martins. “O estudo tem validade ao franquear ao público dados que evidenciam o agudo processo de secularização que se assenhorou do cristianismo norte-americano”, avalia Araújo, o qual cita as palavras do médico e pastor suíço Paul Tournier (1898-1986), que se notabilizou mundialmente por seu trabalho na área do aconselhamento pastoral: Há duas coisas que não se pode fazer sozinho: casar-se e ser cristão. “Ou seja, a vida cristã é inconcebível sem sua dimensão coletiva. A solidariedade da raça, como tema teológico, tem sido uma doutrina negligenciada e esquecida na contemporaneidade, resultado de uma perspectiva pós-moderna, humanista e individualista que impera no cristianismo atual”, alerta Araújo.

Formado em Letras/Português-Grego pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e formado em Teologia pelo Seminário Teológico Betel (1998), o pregador acredita que muitos confundem solidão com solitude (isolamento momentâneo e proposital, com vistas à reflexão ou interiorização). “Enquanto a solidão amargura a alma e aliena, a solitude equilibra e equaciona a paz. A confusão entre uma e outra faz com que alguns queiram seguir um ‘Evangelho solitário’.”

O Pr. Henrique Ribeiro de Araújo alerta: “A vida cristã é inconcebível sem sua dimensão coletiva”
Foto: Arquivo pessoal

Por outro lado, o pregador, que está há 25 anos no ministério, lembra que a existência da comunhão da Igreja depende de todas as partes envolvidas no processo, ou seja, de cada membro da comunidade. “Assim como para permanecer casado é preciso desejar estar nessa condição, para ficar em comunhão é preciso querer”, pontua. O líder enfatiza que partilhar a fé é fruto de uma atitude mental de escolha, não uma mera presença física definida geograficamente. “A segunda é consequência da primeira, e quem tem a primeira se esforça para praticar a segunda. A Igreja deve ser a incentivadora, promotora e realizadora de atividades que possibilitem a prática de comunhão”, adverte Araújo, indicando que cada comunidade deve enfatizar o ser e o estar, mais do que o ter e o parecer.

Testemunho prejudicado – Carregar os fardos uns dos outros, como diz Paulo aos gálatas (Gl 6.2), e partilhar a fé tem seu preço: a vida em qualquer grupo social pode levar a conflitos e feridas emocionais, resultando em mágoas e traumas. Afinal, problemas relacionais podem afetar qualquer comunidade. As igrejas deveriam ser diferentes, mas não estão livres de cenários dessa ordem. Assim, pessoas que já não têm vínculos de comunhão espiritual sólidos em sua comunidade de fé, quando se sentem feridas, tendem a se afastar ainda mais. Muitos até deixam de congregar. “Estamos vivendo um tempo em que os indivíduos estão preferindo não estar no meio eclesiástico, inseridos em uma igreja ou em uma comunidade cristã, por causa de desilusões que viveram”, avalia o Pr. Roberto da Silva Meireles Rodrigues, 38 anos, líder da Primeira Igreja Batista em Rocha Miranda, zona norte do Rio de Janeiro (RJ).

O Pr. Roberto da Silva Meireles Rodrigues avalia: “Estamos vivendo um tempo em que os indivíduos estão preferindo não estar no meio eclesiástico, inseridos em uma igreja ou em uma comunidade cristã, por causa de desilusões que viveram”
Foto: Arquivo pessoal

O ministro enfatiza a importância de todo cristão compreender que um discípulo de Jesus não pode ter uma vida espiritual totalmente privada, pois, de alguma forma, esse afastamento prejudicará seu testemunho. “Fará com que a pessoa não consiga compartilhar a sua fé. E isso é um mandamento direto e específico do próprio Senhor Jesus, em Mateus 28.19,20: Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos. Amém! Chamamos essa passagem de a Grande Comissão, que é o fazer discípulos”, pontua.

Ainda de acordo com o líder, aqueles que têm uma vida espiritual secreta não conseguem compartilhar com os demais o que têm experimentado em Cristo. Além disso, Roberto Rodrigues acredita que não há melhor forma de testemunhar a fé do que por meio dos relacionamentos. “Se fizéssemos uma pesquisa, teríamos a percepção de que a maioria dos cristãos conheceu Jesus a partir de uma ligação com alguém próximo. Bem diferente de 20, 30 anos atrás, quando isso se dava por meio de cruzadas evangelísticas e evangelismo pessoal. Claro que ainda acontece dessa forma, mas, vejo que, atualmente, os relacionamentos são essenciais quando se fala em conversão”, analisa.

O Pr. Ivan Cavalcante Nunes acredita que um cristão que não vive em plena comunhão com uma comunidade eclesiástica deve repensar sua fé: “O isolamento não é bom, principalmente para aquele que pertence ao Reino”
Foto: Arquivo pessoal

Já o Pr. Ivan Cavalcante Nunes, 33 anos, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no Centro de Petrolina (PE), acredita que um cristão que não vive em plena comunhão com uma comunidade eclesiástica deve repensar sua fé. De acordo com ele, apesar de a pesquisa ter sido feita nos Estados Unidos, muitos cristãos brasileiros também têm se distanciado da igreja devido ao trabalho, aos estudos e a outros afazeres da vida secular. “Sabemos que, de verdade, existem pessoas – não só nos EUA, mas também ao redor do mundo – que acreditam serem cristãs. Mas como ser membro do Corpo de Cristo e viver desligado dele?”, questiona.

Nunes compara o crente distante da igreja à amputação de um membro do corpo humano. “A mão que está desligada do braço precisa ser recolocada em recipiente gelado e, com rapidez, ser religada a ele. Do contrário, perderá a sua eficiência e morrerá”, frisa. O líder assinala que os cristãos isolados já estão mortos, uma vez que perderam o sentido da vida cristã. “Cristo sempre tratou os Seus como ovelhas. Nós sabemos que ovelha só anda em rebanho. A Igreja precisa ensinar, mostrar aos irmãos o quão bom e quão suave é viver em união [Sl 133.1] e como isso é saudável para aqueles que são dEle”, destaca o ministro citando também o texto de Atos 2.44 (Todos os que criam estavam juntos e tinham tudo em comum). “O isolamento não é bom, principalmente para aquele que pertence ao Reino”, adverte.

Criação divina

Desde o Gênesis, a Bíblia deixa claro que os seres humanos precisam viver em comunhão uns com os outros. Logo após a criação do primeiro homem, Adão, Deus fez questão de fazer-lhe uma companheira (Gn 2.18,21-24). Ao longo das Escrituras, há a mensagem para aqueles que creem em Deus viverem em comunidade e em união, pois isso acarreta muitos benefícios. Confira:

Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho. Porque, se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do que estiver só; pois, caindo, não haverá outro que o levante. Também se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só como se aquentará? E, se alguém quiser prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; e o cordão de três dobras não se quebra tão depressa (Ec 4.9-12).

Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros (Jo 13.34,35).

Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo  (Gl 6.2).

Então, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé (Gl 6.10).

Pelo que exortai-vos uns aos outros e edificai-vos uns aos outros, como também o fazeis (1 Ts 5.11).

Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns; antes, admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais quanto vedes que se vai aproximando aquele Dia (Hb 10.25).

Conhecemos o amor nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos irmãos (1 Jo 3.16).

(Fonte: Bíblia Sagrada)


2 Comments

  1. Rubem Marcos Oliveira Silva disse:

    a Igreja Internacional da Graça de Deus é uma Benção, pois eu na época mais árdua da covid fiquei ligado direto nas publicações da Igreja, eu quero agradecer a Deus pela existência desta instituição religiosa.

    • Editor disse:

      Ore pelos pastores e por todas as publicações, sites, páginas e perfis de redes sociais ligados à Igreja da Graça. Sua oração é fundamental!

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