Pregar é mandamento

Líderes explicam por que evangelizar é um desafio para todo cristão e não apenas para pastores e missionários

Por Patrícia Scott

As palavras de Jesus são claras em Mateus 28.19,20: Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos. Amém! Apesar do que registra essa passagem, também conhecida como a Grande Comissão, muitos cristãos divergem sobre quem deve fazer missões. É o que mostra uma pesquisa realizada recentemente nos Estados Unidos pelo grupo Barna, um instituto de pesquisas evangélico, que ouviu cerca de 2.500 membros de igrejas evangélicas e pastores.

A maioria dos líderes acredita que o chamado para cumprir o Ide é para todo aquele que se entende como um seguidor de Jesus. No levantamento, 85% dos pregadores entrevistados concordaram com a afirmativa: missões são um mandato bíblico para todos os cristãos. Porém, entre os membros das congregações, não houve o mesmo consenso: menos da metade (46%) assentiu com tal afirmação. De acordo com a pesquisa, muitos servos do Senhor creem que existem exceções para a ordem de Cristo. Para eles, pregar o Evangelho é uma incumbência apenas de um grupo separado, formado por pastores e missionários.

O Pr. Paulo de Tarso Pontes, da Câmara Nacional de Expansão Missionária da Igreja Metodista, afirma que se equivoca quem pensa no Ide como o trabalho de um grupo seleto e lembra que as palavras do Salvador não são um convite, e sim uma ordem. “O maior responsável pela Grande Comissão é o próprio Deus. A Bíblia é um livro missionário. As pessoas conhecem missões lendo a Palavra, na qual é possível perceber esse princípio na escolha de Abraão para abençoar as nações”, explica o líder, asseverando que o analfabetismo bíblico e a má interpretação dos textos do Livro Sagrado “têm levado as pessoas para longe de uma compreensão adequada de missões”. [Leia, no final desta reportagem, o quadro Missões e a Bíblia]

O Pr. Silas Tostes, diretor da Missão Antioquia, concorda com Paulo de Tarso e enfatiza que não há exceções na continuação do ministério terreno do Messias, pois todos estão convocados. “Jesus ordenou que fôssemos testemunhas dEle”, lembra o pregador, acrescentando que o objetivo da obra missionária é apresentar o Salvador ao mundo, a partir de um bom testemunho, da mudança de caráter e de obras de amor e misericórdia ao próximo. “E, principalmente, pela pregação do Evangelho, para que sejam gerados novos discípulos de Cristo.” Tostes destaca que, segundo a Bíblia, a obra evangelizadora começa em nós: Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra (At 1.8).

“Amor e intensidade” – Seguindo a orientação bíblica, a Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) está presente em todo o Brasil e em diversos países. “A Igreja tem visto e experimentado o poder do Altíssimo, tudo o que Ele pode fazer na vida daqueles que abrem o coração para a Sua Palavra”, frisa o pastor León Costa, líder da Igreja da Graça no Peru. Ele assinala que o objetivo da IIGD, ao fazer missões, é bem claro. “Resgatar as almas das garras de Satanás, do reino das trevas, e levá-las ao Reino de luz e propagar as Boas-Novas da salvação que transformam vidas.”

O Pr. Keven de Moura, representante da IIGD na Bolívia, acredita que, de modo geral, a Igreja de Cristo está compromissada com o Ide de Jesus, mas faz uma ressalva. “Os cristãos poderiam conhecer mais o significado e a importância de missões. Quando há entendimento da necessidade de Deus neste mundo, a obra é feita com mais amor e intensidade.” Para o pregador, um missionário repleto do Espírito Santo e cheio de amor pelas almas é capaz de impulsionar a transformação de uma nação inteira. Entretanto, fazer esse trabalho demanda recursos financeiros. “Por isso, a missão dos patrocinadores é importante. São eles que dão condições para que os evangelizadores possam cumprir o chamado do Senhor.”

O nível de comprometimento com as missões evidencia o quanto uma igreja olha para dentro ou para fora de si mesma. É o que pensa o casal de missionários Hans Udo Fuchs e Antonia Leonora van der Meer, integrantes do Conselho Nacional da Interserve Brasil (ISB), organização que envia profissionais com vocação missionária para servir a povos do mundo árabe e da Ásia. De acordo com eles, muitas igrejas se preocupam com seu contexto mais imediato – a expansão denominacional –, deixando de lado a visão mais abrangente do estabelecimento do Reino de Deus. Com isso, envolvem-se pouco em ações evangelizadoras.

O casal de missionários Hans Udo Fuchs e Antonia Leonora van der Meer, integrantes da ISB, organização que envia profissionais com vocação missionária para servir a povos do mundo árabe e da Ásia Fotos: Arquivo pessoal

Diretor da Luz em Ação, associação que utiliza produções audiovisuais como ferramentas para evangelizar os povos não alcançados, o missionário Júnior Baczinski considera que são poucos os trabalhadores no campo, e os recursos destinados a eles. Ao ser indagado sobre o estudo do Grupo Barna, o diretor lembrou que a Igreja detém o encargo da evangelização mundial, que deve ser realizado por cada filho de Deus, separado pelo Senhor para anunciar a mensagem da salvação em todas as nações. “A responsabilidade das congregações locais não pode ser ignorada. As etapas principais desse processo abrangem a formação, o envio e o sustento desses servos. As necessidades enfrentadas na obra missionária devem ser compartilhadas pelos pastores e líderes com toda a membresia.”

“Um privilégio” – Segundo o Pr. Milton Monte, gerente executivo de comunicação e mobilização da Junta de Missões Nacionais (JMN),o estímulo à participação dos cristãos na propagação do Evangelho deve se dar, principalmente, a partir da pregação bíblica e do testemunho daqueles que estão no campo missionário. “Se entendermos que é Deus quem está em missão, fazer parte dos planos dEle e envolver-se com essa obra é um privilégio.”

O pastor destaca que as igrejas, de modo geral, separam missões de evangelismo para fins didáticos e operacionais. Geralmente, o primeiro termo se refere ao envio e apoio aos obreiros que estão em ação; o segundo, às atividades evangelísticas da igreja realizadas localmente. “No entanto, uma mesma expressão resume ambos: fazer discípulos. Para isso acontecer, é preciso evangelizar. Porém, para que o alcance ocorra em diferentes lugares, é necessário fazer missões.”

Segundo o professor e mestre em Teologia Sandro Pereira, diretor da Faculdade Cristã de Curitiba (PR), a palavra missões vem da expressão latina missione, que significa ação, tarefa, ordem, mandato, compromisso. Ele observa ainda que, no Novo Testamento, está registrado o termo latino apostello, designando envio, comissionamento. “Desde o século 16 até os dias atuais, a palavra missão passou a representar a Igreja sendo enviada ao mundo”.

Pereira pontua que o próprio Deus foi quem primeiro desejou enviar Jesus à Terra. A passagem de João 3.16 revela a preocupação do Senhor para com a humanidade decaída e distanciada dEle, razão pela qual o próprio Pai veio ao mundo na figura do Filho. “A base bíblica para a tarefa missionária não se restringe ao Novo Testamento. Desde Gênesis, o Todo-Poderoso expressa Sua vontade de anunciar a redenção ao ser humano caído.”

O teólogo enfatiza que a Igreja primitiva estava ciente da visão missionária de Deus, conforme relatado no livro de Atos. “Os discípulos restringiam a pregação do Evangelho aos judeus. Entretanto, aconteceu a grande perseguição aos seguidores de Jesus, obrigando-os a anunciar Cristo por todos os lugares na fuga ou no exílio.” A partir daquele momento, os crentes dispersos pregavam as Boas-Novas, faziam missões. Sandro Pereira ressalva que o primeiro trabalho missionário organizado ocorreu a partir da Igreja de Antioquia, com Paulo e Barnabé (At 13.2). “Desde então, essa obra não se restringiu a um grupo específico de cristãos. Claro que a Igreja possui pessoas engajadas nessa tarefa. Contudo, o trabalho delas não nos exime dessa responsabilidade”, finaliza.

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