Internacional | Revista Graça/Show da Fé
Novela da Vida Real – 254
01/09/2020
Cathy Yeulet / 123RF
Brasil
01/09/2020
Novela da Vida Real – 254
01/09/2020
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Brasil
01/09/2020
Foto: Magali Girardin

DOCUMENTO POLÊMICO

Pastores e especialistas discutem relatório da ONU que relaciona aborto e ideologia de gênero a direitos humanos fundamentais

Por Evandro Teixeira

Para a Igreja, são assuntos sensíveis, uma vez que contrariam princípios básicos da Palavra de Deus. Mas, em todo o mundo, estão se tornando cada vez mais comuns as discussões sobre aborto e ideologia de gênero. Não raramente, tais debates buscam enfraquecer a visão cristã sobre esses temas. Uma dessas investidas mais recentes veio por meio da divulgação de um documento apresentado por Ahmed Shaheed, relator especial para a liberdade religiosa do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), sediado em Genebra (Suíça). O texto, divulgado no primeiro semestre, sugere que o aborto e a ideologia de gênero passem a ser tratados como direitos fundamentais pelos Estados-membros da ONU.

Ahmed Shaheed, relator especial para a liberdade religiosa do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), sediado em Genebra (Suíça): ele é o autor da divulgação do documento
Foto: UN Photo / Amanda Voisard

Com relação à interrupção voluntária da gestação, o registro defende a elaboração de leis mais flexíveis que garantam às mulheres o direito de matar os próprios filhos. Porém, essa prática é rechaçada pela Bíblia, como lembra a Pra. Silvana Veiga, da sede regional da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Piabetá, em Magé (RJ). Ela destaca a passagem de 1 Samuel 2.6: O SENHOR é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz tornar a subir dela. “Está claro que só Deus tem o direito de dar e tirar a vida de alguém.”

A pastora assinala que as Escrituras também se contrapõem à ideologia de gênero: E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou (Gênesis 1.27). Os defensores dessa linha de pensamento sustentam que o termo gênero se refere a uma construção social. A fim de amparar seus “argumentos”, citam teorias sem comprovação científica, que, apesar disso, têm sido aceitas como verdades inquestionáveis.

A Pra. Silvana Veiga cita 1 Samuel 2.6: O SENHOR é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz tornar a subir dela, e adverte que só Deus tem o direito de dar e tirar a vida de alguém
Foto: Arquivo pessoal

Silvana Veiga frisa que esse ideário tem permeado as ações da ONU. De acordo com ela, o objetivo do órgão é favorecer os segmentos que julga serem mais importantes – e os cristãos e apoiadores da família tradicional não fazem parte desse grupo. Independentemente disso, completa a pastora, o mais importante é a Igreja permanecer fundamentada no Livro Santo. “Temos de nos manter fiéis a Ele. Não podemos agradar ao mundo e desagradar a Deus”, exorta a líder, enfatizando o que Jesus disse em Mateus 6.24a: Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro ou se dedicará a um e desprezará o outro.

Princípios milenares – Embora não tenha um caráter impositivo para as nações que integram a ONU, o relatório recebeu duras críticas de defensores da liberdade religiosa, como Emilie Kao, da organização conservadora norte-americana Heritage Foundation. Para ela, o escrito significa uma ameaça direta aos cristãos, que discordam dessas pautas, porque pode estimular a criação de medidas punitivas contra as igrejas, com base na violação de direitos humanos. Kao ressalta ainda que, em se tratando de perseguição religiosa e direitos humanos, haveria assuntos mais urgentes a serem pautados. Ela cita como exemplos a violência contra mulheres em regimes religiosos autoritários e o tráfico sexual de crianças e adolescentes.

Emilie Kao, da Heritage Foundation, diz que o documento significa uma ameaça direta aos cristãos que discordam dessas pautas, porque pode estimular a criação de medidas punitivas contra as igrejas
Foto: Divulgação
O jurista Uziel Santana dos Santos, da ANAJURE, indaga: “O fato de as Escrituras apontarem essas práticas como pecado faz os defensores da verdade bíblica estarem cometendo alguma ilegalidade?”
Foto: Divulgação / ANAJURE

Aqueles que preservam, com veemência, o ponto de vista bíblico – e, portanto, são contrários ao aborto e à ideologia de gênero – são quase sempre tachados de intolerantes. Tal ideia transparece, em certa medida, no referido documento, o qual sugere que quaisquer leis com base na moralidade tradicional (cuja origem, em muitos casos, são princípios religiosos milenares) deveriam ser repelidas. Além disso, ele explicita que a população LGBT é impedida de usufruir, de forma plena, a liberdade religiosa por ser discriminada por várias comunidades de fé. Por causa disso, sugere maior interferência dos governos no sentido de garantir esse direito: Os Estados [os países] têm a obrigação de garantir a todos, inclusive às mulheres, meninas e pessoas LGBT, um direito igualitário à liberdade de religião e crença, criando e favorecendo um ambiente onde um entendimento pluralista e progressista de si mesmo possa se manifestar. “O fato de as Escrituras apontarem essas práticas como pecado faz os defensores da verdade bíblica estarem cometendo alguma ilegalidade?”, indaga o jurista Uziel Santana dos Santos, presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) e membro da Igreja Presbiteriana em Aracaju (SE). Santana concorda com Emilie Kao, ao dizer que existem questões mais prioritárias no campo da perseguição religiosa, como as já mencionadas por ela, que poderiam ser tratadas no texto. Ele acentua que organizações que acompanham as agruras dos cristãos perseguidos por sua fé, como a Missão Portas Abertas, têm bastante informação a respeito.

Frases incoerentes – O relatório insinua que, em países de maioria cristã, como é o caso do Brasil, a defesa dos valores bíblicos deve se subordinar à agenda progressista da Organização das Nações Unidas. Por isso, o advogado e professor Thiago Rafael Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), vê o que a ONU apresentou como “uma peça de colonização ideológica”. Na visão dele, que é membro da Igreja Batista Filadélfia, em Canoas (RS), o documento reflete o quanto o avanço da liberdade religiosa incomoda alguns grupos, principalmente no que se refere aos direitos sexuais e reprodutivos.

O advogado e professor Thiago Rafael Vieira diz que o texto reflete o quanto o avanço da liberdade religiosa incomoda alguns grupos, principalmente no que se refere aos direitos sexuais e reprodutivos
Foto: Arquivo pessoal

Vieira salienta que movimentos pró-aborto brasileiros repetem, à exaustão, o lema “Meu corpo, minhas regras, sem se darem conta de que a legislação nacional não endossa essa “bandeira”. “O Código Civil diz que, se não for por exigência médica, ninguém poderá dispor de seu corpo como bem entender.” O advogado explica que as leis brasileiras permitem o aborto apenas em três situações: em caso de estupro, quando há risco de morte da mãe, e quando os fetos são anencéfalos, padecendo de malformação congênita em que o encéfalo não se desenvolve corretamente. Ele acrescenta que, na maioria das vezes, pessoas ligadas a movimentos progressistas usam frases incoerentes, sem respaldo no mundo jurídico para defender suas ideologias.

Para o Pr. Sânio Fernandes de Belo, líder da Igreja Evangélica Ministério Klesis, em Guadalupe, zona norte do Rio de Janeiro (RJ), o relatório da ONU está pautado em uma ideologia que visa eliminar princípios sagrados e perenes da humanidade, como a origem da vida e a complementariedade harmoniosa heterossexual. As Nações Unidas, evidencia ele, poderiam se debruçar sobre pontos mais urgentes. “O combate à fome e à miséria deveria estar entre as prioridades. Não há quem defenda os desfavorecidos”, critica o pastor, pós-graduado em Ciência da Religião e Filosofia da Religião. “A volta desse tema ao cenário mundial sinaliza que a Igreja, mesmo que de maneira indireta, sempre terá de lidar com questões complexas”, observa ele, reafirmando que os cristãos devem pautar suas ações na Palavra.

O Pr. Sânio Fernandes de Belo diz que o relatório da ONU está pautado em uma ideologia que visa eliminar princípios sagrados e perenes da humanidade, como a origem da vida
Foto: Arquivo pessoal

Amparo espiritual – Já a cientista social cristã Tânia Foster, de Rio Grande (RS), encara o momento como uma oportunidade de a Igreja discutir esses tópicos delicados, esclarecendo acerca da discriminação e dos direitos. Para a especialista, por entender que existem pessoas carentes de salvação ligadas aos movimentos progressistas, é preciso haver cautela para não as afastar do Evangelho. “Por isso, torna-se relevante promover encontros a fim de orientar os membros das congregações a como cuidar dessas questões”, sugere.

Foster afirma que a Igreja ocupa um papel importante na vida dos indivíduos, como um ambiente de confiança, com a função de agregar e auxiliar. Por esse motivo, ela é comparada a uma extensão do núcleo familiar. Sendo assim, as congregações devem atender todos aqueles que precisam de amparo espiritual. “Ao acolher os indivíduos, ajudando-os, as comunidades cristãs desenvolverão um papel significativo de transformação.”

A cientista social cristã Tânia Foster afirma que “ao acolher os indivíduos, ajudando-os, as comunidades cristãs desenvolverão um papel significativo de transformação”
Foto: Arquivo pessoal
O mestre em Filosofia Francisco Razzo observa que “as lideranças precisam ser protagonistas no processo de formação das virtudes cristãs”
Foto: Arquivo pessoal

O mestre em Filosofia Francisco Razzo acredita que, enquanto estiver cumprindo sua missão na Terra, o Corpo de Cristo sofrerá perseguição. Por isso, convém aos servos de Deus permanecerem firmes em Jesus. “Confiar na Palavra deve ser o primeiro passo do cristão diante de qualquer afronta à sua fé”, sublinha o professor, que é morador de Sorocaba (SP).

Razzo entende que, paralelamente, o cristão deve buscar elucidações a respeito do que acontece no mundo. É necessário que exista uma participação ativa das comunidades cristãs em atividades sociais. “As lideranças precisam ser protagonistas no processo de formação das virtudes cristãs”, observa o filósofo, citando as palavras inspiradoras do apóstolo Pedro: Antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós (1 Pe 3.15).


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