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Foto: Sgt. Samuel Ruiz / JTF-CR

Clamem por nós!

Com a ascensão do Talibã ao poder, os cristãos vivem dias de medo e insegurança em território afegão

Por Patrícia Scott

Há alguns meses, o mundo acompanhou, estarrecido, a retirada repentina das tropas norte-americanas do Afeganistão e o fechamento da embaixada dos Estados Unidos na capital Cabul. Após 20 anos de ocupação estrangeira, o grupo fundamentalista islâmico Talibã estava livre para assumir o poder. A notícia pegou os afegãos de surpresa, e muitos correram para o aeroporto da capital na esperança de deixar o país. Cenas de pessoas desesperadas tentando até se pendurar nas aeronaves que alçavam voo chocaram o mundo. O presidente afegão, Ashraf Ghani, fugiu e está exilado nos Emirados Árabes Unidos. O palácio presidencial foi ocupado pelos rebeldes sem que houvesse resistência.

A volta do governo de terror do Talibã já seria motivo suficiente para muitos quererem fugir do Afeganistão. No caso da minoria cristã, a questão se agrava porque, segundo observadores, todo crente em Cristo é visto como um colaborador dos EUA, ou seja, inimigos do Islã. Antes mesmo da retirada das tropas internacionais, aquela nação localizada no Centro da Ásia ocupava a segunda posição na Lista Mundial da Perseguição (LMP), ranking anual elaborado pela Missão Portas Abertas (MPA) com os 50 países mais perigosos para um cristão viver. Só Deus sabe como sobrevivemos diariamente, afirmou um cristão local em depoimento à MPA.

Mais de 99% da população afegã é muçulmana, e os cristãos representam uma minoria que, segundo estimativas, corresponderia a apenas 0,3% dos 38,9 milhões de habitantes do Afeganistão. O governo instalado pelos Estados Unidos em 2001 falhou em tomar providências a fim de assegurar a liberdade e a proteção de minorias religiosas nas duas décadas seguintes. Dentre esses grupos minoritários, destacam-se os cristãos e os sikhs (adeptos de uma seita sincrética que reúne princípios islâmicos e hindus). “Os sikhs não são conhecidos por compartilhar a sua fé e, por isso, são menos ameaçados. Já os cristãos são considerados apóstatas, infiéis, porque abandonaram o islamismo”, explica Marco Cruz, secretário-geral da filial brasileira da Missão Portas Abertas, organização que atua prestando apoio à Igreja perseguida, referindo-se ao fato de que os crentes são ex-muçulmanos convertidos ao Evangelho. “A única coisa que os cristãos afegãos estão solicitando nesse momento é oração. Jesus é literalmente tudo o que eles têm.”

Marco Cruz, secretário-geral da filial brasileira da Missão Portas Abertas: “A única coisa que os cristãos afegãos estão solicitando nesse momento é oração”
Foto: Divulgação / Missão Portas Abertas

Samuel [nome fictício usado por motivos de segurança], um colaborador da Missão Portas Abertas na Ásia, afirma que, antes mesmo da insurgência dos talibãs, os cristãos experimentavam tempos difíceis porque precisavam manter a fé em segredo, escondendo-a inclusive da família por temer que fossem rejeitados ou até mortos. É quase impossível um discípulo de Jesus viver neste país. É hora de pedirmos a Deus que tenha misericórdia não só do Seu povo, mas também do Afeganistão como um todo. É uma situação incerta para toda a população. Sabíamos que poderia acontecer. Não estamos surpresos, mas nossa dor não diminui, destacou ele, em depoimento à MPA.

Atentados terroristas – Com o término da intervenção norte-americana, praticamente todas as instâncias de poder afegãs foram dissolvidas, e a economia local, já combalida, entrou em colapso. Em 25 de outubro, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que o Afeganistão estava prestes a experimentar a maior crise humanitária da atualidade: dos quase 39 milhões de habitantes, cerca de 25 milhões não teriam mais condições de subsistência em dezembro de 2021.

Atualmente, os afegãos dependem quase exclusivamente da ajuda internacional para ter o que comer. Quando o auxílio não chega, o quadro torna-se desesperador. Há diversos relatos de pais e mães colocando suas crianças e adolescentes à venda, a fim de arrecadar algum dinheiro. Dia a dia, aumenta o número de famílias que vendem seus filhos. Falta comida e trabalho, e as famílias sentem que têm de fazer isso, relatou Mohammad Naiem Nazem, um ativista de direitos humanos, à rede internacional CNN.

O Talibã, contudo, não é o único problema que os cristãos afegãos – e os habitantes daquele país, em geral – têm de enfrentar. Internamente, os extremistas possuem inimigos ainda mais radicais que eles mesmos. O principal é o Estado Islâmico (EI). Desde que o Talibã ascendeu ao poder em agosto, o número de atentados terroristas perpetrados por integrantes do EI aumentou drasticamente. Em novembro, um homem-bomba detonou um explosivo nas dependências de um hospital de Cabul. A ação, orquestrada com outros terroristas, resultou em dezenas de mortos. As pessoas que tentavam escapar da unidade hospitalar eram alvejadas a tiros por homens armados. O Estado Islâmico assumiu a autoria do atentado. Em agosto, outra ação desse tipo já havia deixado cerca de 200 mortos no aeroporto de Cabul. Aqueles que se aliam ao Estado Islâmico acreditam que o Talibã não é suficientemente radical, informou uma fonte anônima da missão norte-americana Forgotten Missionaries International (em português, algo como Missionários Esquecidos Internacional).

Moradia e alimentação – Para escapar do Talibã ou do Estado Islâmico, milhares de afegãos buscam deixar o país. No entanto, encontrar abrigo em outra nação, nem sempre é fácil, mas há algumas organizações que estão tentando estabelecer pontes para tornar esse sonho realidade. No Brasil, a Missão Mais, de Curitiba (PR), está acolhendo dezenas de refugiados cristãos vindos do país asiático. “Nosso programa consiste, em um primeiro momento, em esses irmãos ficarem conosco por três ou quatro meses, para haver a quebra de choque cultural”, destaca o Pr. Luiz Renato Maia, líder da Igreja Presbiteriana em Curitiba (PR), parceira da instituição missionária.

Pr. Luiz Renato Maia, líder da Igreja Presbiteriana em Curitiba (PR), parceira da Missão Mais: acolhimento de dezenas de refugiados cristãos afegãos
Foto: Arquivo pessoal

O ministro diz ainda que as famílias estão recebendo suporte em todas as questões documentais e jurídicas para a permanência no Brasil, além de atendimento clínico e psicológico. Adultos e crianças frequentam aulas de Português. Na segunda etapa da programação, de acordo com Maia, os cristãos refugiados são encaminhados para algumas igrejas parceiras da Missão Mais. “Elas ficam responsáveis por ajudar essas famílias com moradia e alimentação pelo período de um ano, para que possam recomeçar. Também dão continuidade às aulas de Português e aos atendimentos, se necessários”, informa.

Dentro do programa da Missão Mais, a igreja parceira ainda auxilia na recolocação profissional dos cristãos refugiados – a começar pelo chefe da família. “Se houver mais pessoas habilitadas a trabalhar, elas recebem orientação, mas a prioridade é para o responsável familiar”, frisa o Pr. Luiz Renato. A ideia, segundo o líder presbiteriano, é que eles possam ter autonomia financeira dentro do período de 12 meses. “O programa visa à inserção, e não ao assistencialismo. Nesse momento, necessitamos de mais igrejas para ajudar no processo de recomeço desses cristãos”, conclama.

Muitos cristãos, no entanto, não têm condições de deixar o Afeganistão e, assim, permanecem em constante risco. Assim que as tropas estrangeiras começaram a deixar o país, circularam notícias de que o Talibã tinha listas com nomes de cristãos que pretendia matar. A milícia estaria caçando indivíduos e comunidades inteiras. Isso porque, onde há um seguidor de Jesus, geralmente, existem outros. Esse tipo de plano já vinha sendo implementado nas áreas dominadas pelo grupo, mesmo antes da saída das tropas estrangeiras. Contudo, agora, com liberdade para agir, os milicianos teriam intensificado suas ações. Saad [nome fictício], um cristão assistido pela Missão Portas Abertas, confirmou que as visitas domiciliares sanguinárias do Talibã se tornaram eventos corriqueiros. Ligamos uns para os outros para perguntar, por exemplo, quem estava com problemas de saúde. É uma tentativa de permanecermos conectados, e é tudo o que podemos perguntar, informou Saad à agência missionária. Essas ameaças que enfrentamos não são novidade para nós. A dor de viver para Jesus e arriscar tudo para segui-Lo — não há nada de novo nisso. Não para mim, nem para meus avós que também viveram por Ele e O seguiram, informa Fatima [nome fictício], esposa de Saad, cuja família tem praticado a fé cristã secretamente nas últimas quatro décadas. Nossos pensamentos e sonhos precisam ser preservados a salvo do medo. Nossa fé está viva em nosso coração e em nossa mente, informou Saad, que conclui sua fala fazendo um apelo aos cristãos ocidentais: Clamem por nós!


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