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Foto: Mateus Campos Felipe / Unsplash

Conectados e solitários

Por causa dos avanços tecnológicos, as pessoas estão cada vez mais isoladas umas das outras

POR Ana Cleide

O ser humano não foi criado para viver em solidão. A Bíblia atesta que, logo após trazer Adão à vida, o Senhor tratou de preparar-lhe uma companheira, afirmando: Não é bom que o homem esteja só (Gn 2.18). Entretanto, o homem moderno decidiu desafiar a própria natureza e, ano após ano, torna-se cada vez mais solitário. Diversas investigações demonstram essa tendência, especialmente entre os mais novos. Um amplo estudo, realizado no Reino Unido com cinco mil participantes, mostrou que 40% dos jovens de 16 a 24 anos se sentiam sozinhos. Entre os maiores de 75 anos (idade em que as pessoas naturalmente sentem mais solidão), apenas 27% estavam nessa condição. Outra pesquisa, levada a efeito por cientistas da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e publicada no The Journal of Clinical Psychiatry (Revista de Psiquiatria Clínica), teve resultado semelhante. Segundo o levantamento, as pessoas mais solitárias tendem a ser aquelas que estão na faixa dos 20 a 29 anos.

Paradoxalmente, embora prometam aproximação, as redes sociais estão desempenhando um papel importante nesse cenário de afastamento. As pessoas estão mais solitárias, afirmou a pesquisadora norte-americana Sherry Turkle, em seu livro Alone together: why we expect more from technology and less from each other (em tradução livre: Sozinhos juntos: por que esperamos mais da tecnologia e menos uns dos outros). Na obra, ela critica a ilusão de que as redes sociais juntam as pessoas. Para a autora, postagens, curtidas e comentários não são uma forma autêntica de comunicação e apenas servem para precipitar os indivíduos no mais profundo ermo.

Foto: Pexels / Cottonbro

O problema é tão grave que preocupa os criadores dessas redes. Em novembro de 2018, o Facebook efetuou uma enquete entre os usuários. A companhia descobriu, por exemplo, que os internautas tendem a se sentir mais solitários quando veem seus amigos se divertindo na companhia de outras pessoas, por meio de imagens publicadas por eles na rede social. Os participantes também afirmaram que usar o Facebook aumentava o sentimento de solidão mais do que outras atividades realizadas sem companhia, como jogar games ou assistir à TV.

Em 2020, com o isolamento imposto pela pandemia do coronavírus, o problema se tornou ainda mais evidente. Um estudo intitulado Perceptions of the impact of covid-19 (Percepções do impacto da covid-19), elaborado em dezembro daquele ano com pessoas de 28 países, procurou dimensionar o quanto a quarentena havia acirrado a sensação de solidão em cada nação analisada. O Brasil se mostrou o país com o maior índice de solitários e, por isso, ficou em primeiro lugar no ranking, com 50% dos respondentes. A Turquia ficou em segundo (46%), e, em terceiro, a Índia (43%).

O Pr. Luiz Vagner de Orlando Ferreira da Silva ao lado de sua esposa: “Deus criou o homem para ele viver em sociedade, habitar no meio das pessoas e relacionar-se com elas” – Foto: Arquivo pessoal

Valores e princípios – Na opinião do Pr. Luiz Vagner de Orlando Ferreira da Silva, 42 anos, líder da Primeira Igreja Batista de Cerâmica, em Nova Iguaçu (RJ), as medidas de distanciamento aplicadas em 2020 apenas intensificaram um fenômeno que havia começado com o advento da web. “Por meio das novas tecnologias, as pessoas vão procurando seus pares, ou seja, aqueles que concordam com suas opiniões. Isso acaba separando-as do convívio social real.”

O pastor observa que, atualmente, muitos tendem a ter menos contato “olho no olho”. “Deus criou o homem para ele viver em sociedade, habitar no meio das pessoas e relacionar-se com elas”, pontua. O líder assinala que a Sociologia descreve o homem como um ser biopsicossocial. “Sendo assim, o ser humano precisa estar envolvido em uma sociedade, e, nela, valores e princípios norteiam seu pensamento e também seu desenvolvimento.”

O Pr. Daniel Elias Cardoso de Araújo Pinto dispara: “Sabemos que o relacionamento real não pode ser substituído pelo virtual” – Foto: Arquivo pessoal


Na visão do Pr. Daniel Elias Cardoso de Araújo Pinto, 40 anos, da Assembleia de Deus Parque Eldorado, em Duque de Caxias (RJ), a internet é responsável por dar ao ser humano várias sensações falsas. “Inúmeros fatores contribuem para o homem se sentir só. E, em minha opinião, as redes sociais são o principal motivo. Elas nos aproximam de ‘amigos virtuais’ e nos afastam de amigos reais”, constata. Daniel lembra ser comum observar, em reuniões familiares, por exemplo, pessoas concentradas na tela dos celulares, em lugar de dialogar com os presentes. “Sabemos que o relacionamento real não pode ser substituído pelo virtual”, dispara o líder, argumentando que é impossível alguém sentir a dor do outro conectando-se com uma foto de perfil. “Quando nos relacionamos apenas com máquinas, a tendência é nos sentirmos solitários. Se continuarmos nesse caminho, a solidão só tenderá a aumentar”, avalia.

O Pr. Anderson Araújo Sena lembra que, embora possibilite a comunicação entre cidadãos de todo o mundo, a rede mundial de computadores os desconecta de abraços, apertos de mão, beijos e outras demonstrações – Foto: Arquivo pessoal

Para o Pr. Anderson Araújo Sena, 40 anos, líder regional da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Petrópolis (RJ), é notório que os indivíduos estejam cada dia mais se ligando a máquinas e menos à gente. Ele cita como exemplo os serviços, antes exercidos por indivíduos que, gradativamente, estão sendo substituídos por equipamentos. “Hoje, quando vamos pagar um estacionamento, não interagimos mais com um ser humano, e sim nos dirigimos a guichês eletrônicos. O mesmo acontece quando queremos comprar água, refrigerante ou biscoitos. É só colocar moedas, cédulas ou passar o cartão, e a máquina libera o que desejamos”, exemplifica Sena.

O pregador frisa que, na web, acontece o mesmo fenômeno. Embora possibilite a comunicação entre cidadãos de todo o mundo, a rede mundial de computadores os desconecta de abraços, apertos de mão, beijos e outras demonstrações de afeto. “Alguns preferem os relacionamentos pela internet. Afinal, nesse ambiente, podem bloquear quem quiser, responder perguntas apenas com um emoji e olhar a vida alheia sem que ninguém saiba. Não é saudável, mas é um fato”, avalia o líder, que também é psicólogo.

A Pra. Ana Luiza Pedreira Brito enfatiza: “Ninguém precisa enfrentar as adversidades sozinho, pois podemos ajudar uns aos outros. Acredito na unidade e sei que, por meio dela, podemos vencer os problemas” – Foto: Arquivo pessoal

“Uns aos outros” – A Pra. Ana Luiza Pedreira Brito, 26 anos, da Igreja da Graça em São Joaquim, Teresina (PI), lembra que uma das principais características da Igreja primitiva era a comunhão entre os irmãos. “As pessoas que ali serviam estavam unidas, ajudando-se mutuamente nos momentos de dor. Como Igreja de Cristo, precisamos ensinar a importância de viver em unidade e comunhão.”

Para ela, cada pessoa necessita compreender e sentir que a Igreja de Cristo é uma família. “Ninguém precisa enfrentar as adversidades sozinho, pois podemos ajudar uns aos outros. Acredito na unidade e sei que, por meio dela, podemos vencer os problemas”, enfatiza, citando o conhecido texto de Eclesiastes 4.9: Melhor é serem dois do que um.

Pr. Oliver Costa Goiano: “Deus deseja que as pessoas se casem, constituam família, congreguem em uma igreja. Nunca vivemos um tempo como esse, quando muitos têm se afastado das famílias e das igrejas por causa de conflitos” – Foto: Arquivo pessoal

Segundo o Pr. Oliver Costa Goiano, 43 anos, da Igreja Batista da Lagoa, em Maricá (RJ), muito do sentimento de solidão pode ser reduzido drasticamente com o retorno às veredas antigas (Jr 6.16), ou seja, às orientações divinas acerca da vida social. “Deus deseja que as pessoas se casem, constituam família, congreguem em uma igreja. Nunca vivemos um tempo como esse, quando muitos têm se afastado das famílias e das igrejas por causa de conflitos”, analisa o líder, que também é professor de História.

Oliver Goiano lembra que, o momento atual tem sido marcado por fortes discordâncias de opiniões entre as gerações. “Essas diferenças fazem com que, por vezes, um filho não queira estar perto do pai, porque divergem em algum assunto. Do mesmo modo, outros não querem estar na igreja fisicamente porque se frustraram com pastores e lideranças”, exemplifica o pastor, lembrando que a própria Bíblia adverte que, nos últimos dias, o amor de muitos esfriaria (Mt 24.12).

Contudo, o líder ressalta que, a despeito de quaisquer problemas, é essencial valorizar a família, a Igreja e os relacionamentos pessoais, como Jesus ensinou. “Mateus 18.15 diz: Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele só. Ou seja, a Bíblia diz que a solução de conflitos é “olhos nos olhos”. Para vencer a crise da solidão, a Palavra nos orienta a exercer a comunhão. Então, que possamos ter essa visão e esse posicionamento em Cristo, para vencer os desafios impostos por este século.”


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