Entrevista | Revista Graça/Show da Fé
Falando de História – 252
01/07/2020
Comportamento
01/08/2020
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A fé e a caserna

Capelão do Exército Brasileiro fala sobre os desafios do trabalho pastoral junto às Forças Armadas

Por Marcelo Santos

O aumento do número de brasileiros que se identificam como evangélicos é perceptível em todos os setores da sociedade. Nas Forças Armadas, não é diferente, como observa o Rev. Christian David Soares Bitencourt, 44 anos, capelão do Exército Brasileiro há 13 anos. “Certamente, esse número cresceu nos últimos anos”, afirma o militar, casado com Silvânia, pai de Cecília e Manuela e pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana em Três Corações (MG).

Teólogo, Bitencourt é formado pelo Seminário Teológico Presbiteriano, no Rio de Janeiro (RJ), mestre em Ciências Militares no Exército pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), na capital fluminense, e mestre em Ciências da Religião, pela Universidade Mackenzie, em São Paulo (SP). Para ele, que atendeu à reportagem de Graça/Show da Fé a fim de falar da fé nos quartéis e do trabalho de capelania, o lema do Exército “braço forte, mão amiga não destoa da mensagem de paz e salvação apregoada nos púlpitos evangélicos.

Como ingressou na carreira de capelão militar?

Em 2007, por meio de concurso público. Tive a graça de ser aprovado, pois é um certame muito disputado, por ser em nível nacional. Geralmente, é só uma vaga para pastor e três para padre. É preciso ter de 30 a 40 anos, ser formado em Teologia e ter exercido a atividade pastoral por, pelo menos, três anos.

Quais são as principais atribuições do capelão militar?

Cabe a ele auxiliar o comando com informações tanto do público interno quanto do público externo, tais como: o número de militares que seguem determinada religião; os preceitos religiosos de um grupo que podem apresentar impacto para uma missão. Em missões nas quais o público externo esteja envolvido, o capelão assessora quanto às informações religiosas do público civil. Além disso, em tempos de paz, como os de agora, a função do capelão é a de ministro religioso mesmo. As responsabilidades são bem similares às de um pastor de igreja. Aconselho as pessoas, vou aos hospitais, visito os lares, vou aos quartéis e celebro cultos. Escuto e aconselho militares no que for necessário nos quartéis. São atividades pastorais adaptadas à realidade da caserna.

O senhor vê algum conflito entre a natureza bélica do serviço militar e o pastorado que, até a última instância, preconiza a paz?

Não existe essa dicotomia. O serviço militar está ligado à violência da guerra, não há dúvidas. No entanto, a expectativa de todo militar é de que tal confronto não exista. Na Canção do Exército, é declarado: A paz queremos com fervor / A guerra só nos causa dor. Então, não há qualquer sentimento sádico no Exército. O militar é treinado para o uso da violência, se for necessário, porém com o objetivo de buscar a pacificação. Essa é a essência de seu trabalho. Nesse sentido, há uma confluência da ideia pastoral da paz sendo recomendada. Os dois grupos possuem o mesmo intuito.

O Exército é acionado, de tempos em tempos, para atuar em missões urbanas, dentro e fora do país, como foi durante a intervenção militar no Rio de Janeiro, em 2018, ou na missão de paz no Haiti (2004-2017). Poderia falar de sua experiência nessas situações?

Durante 13 anos como capelão, nunca participei de missões desse tipo. Iria para o Haiti, mas minha esposa ficou grávida, e não fui. Minha experiência se desenvolveu no atendimento aos que voltaram. Quando a tropa de São Paulo estava no Haiti, aconteceu o terremoto [em janeiro de 2010]. Fiquei por quase três dias na base aérea de Guarulhos (SP), atendendo aos familiares dos militares que morreram ou se feriram. Recebi os corpos dos que faleceram e assisti às famílias. Orei e conversei com os militares feridos também. Foi um momento crítico. Outra atuação do tipo foi quando morreu o cabo Mikami [assassinado por traficantes durante uma operação do Exército no conjunto de favelas da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro (RJ), em 2014]. Ele era de uma família evangélica e foi o primeiro militar brasileiro morto em combate desde a Segunda Guerra Mundial. Quando o corpo voltou a Campinas (SP), eu estava lá com o general Campos, comandante militar do Sudeste, e os pais do Mikami. Fizemos o velório, e lhes dei uma palavra.

É possível estimar o percentual de evangélicos entre os militares que compõem as Forças Armadas brasileiras?

Esse foi o tema do meu trabalho de aperfeiçoamento, em 2017, na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO). É chamado de Mestrado de Ciências Militares no Exército. O título foi justamente As mudanças no perfil religioso dos militares no Exército. Em 2017, havia 54% de católicos; 30% de evangélicos; 5,6% de espíritas; 1,9% ateus e 1,4% de outras religiões. No entanto, certamente esse número de crentes subiu. Tenho um dado empírico. Fui capelão da Escola de Sargentos das Armas (ESA) [em Três Corações (MG)], nos últimos quatro anos. Sempre fazíamos, no início do ano, o mapa religioso dos alunos. Nos dois primeiros, o número de católicos era um pouco superior ao de evangélicos. Nos últimos dois, isso se inverteu.

Em 2008, durante a Semana do Exército, o Missionário R. R. Soares foi convidado para ministrar uma palavra no Quartel General do Comando Militar do Sudeste, em São Paulo (SP). Na ocasião, o senhor conduziu aquele encontro. Poderia falar sobre essa experiência?

Os cultos cumprem três objetivos. Primeiro, são uma forma de assistir ao militar do ponto de vista religioso. O fundamento da capelania, no serviço público, está na Constituição Federal. A ideia é a de que o indivíduo, em confinamento, como é o caso do militar de uma forma geral, está impossibilitado de exercer sua religião. Então, a União provê a assistência religiosa para ele. O Estado é laico, entretanto os membros do Estado não. Em segundo lugar, esses cultos são uma forma de celebração. Geralmente, sucedem em um aniversário de quartel ou em outra data comemorativa. A terceira função deles é o que chamamos de “elevar o moral” da tropa, que é trabalhar no nível psíquico do militar, deixando-o mais animado. Aquele culto, com a presença do Missionário Soares, atendeu a esses quesitos, especialmente por ele ser uma figura conhecida da televisão. Isso fez a dimensão desses três aspectos ser ainda maior.

Christian David Soares Bitencourt
Pastor presbiteriano e capelão do Exército Brasileiro

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