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Foto: Pexels / EVG Culture

Estabelecendo prioridades

Games on-line podem se transformar em uma armadilha para fazer os jovens gastarem tempo de forma improdutiva

Por Evandro Teixeira

Com a popularização dos recursos tecnológicos, a troca de informações adquiriu novos contornos. Se, no passado, estudantes precisavam ir às bibliotecas em busca de aprendizagem extraclasse, agora não é mais necessário sair de casa para ter acesso ao conteúdo de centenas de milhares de livros digitais, audiolivros, vídeos, podcasts. Tudo – ou quase – está disponível na palma da mão.

O entretenimento também seguiu essa linha. No Brasil, os jogos são a principal atividade dos internautas: 64% dos usuários utilizam a internet com esse fim, de acordo com levantamento da Nimo TV, uma plataforma de streaming com foco na transmissão de games e de esportes eletrônicos. Aqueles que usam a web com frequência chegam a passar mais de duas horas conectados diariamente com esse tipo de entretenimento. O estudo mostra também que eles preferem as plataformas móveis: 80% dos acessos são feitos por meio de aparelhos celulares e tablets. [Leia, no final desta reportagem, o quadro O Brasil gamer]

Segundo um levantamento global da empresa de pesquisas NewZoo, especializada em análises sobre o mercado de jogos, a maior parte dos usuários da web é formada por jovens, sendo 73% deles pertencentes à geração Y (os chamados millennials, aqueles nascidos de 1982 a 1994), e 77% da geração Z (nascidos de 1995 ao início de 2010). O inquérito expôs que, além de jogar, os jovens assistem a conteúdos relacionados à categoria de games, como vídeos sobre o tema postados no YouTube. Para a NewZoo, é clara a preferência deles por esse passatempo.

A psicóloga Rafaella Pinheiro Belarmino de Matos alerta: certos jogos são capazes de suscitar agressividade – Foto: Arquivo pessoal

De acordo com a psicóloga Rafaella Pinheiro Belarmino de Matos, o interesse da juventude atual por jogos e entretenimentos, com uso de recursos tecnológicos, se explica por eles terem crescido em meio ao desenvolvimento da internet – e, em particular, as gerações Y e Z foram tremendamente influenciadas pelo ambiente virtual. Afinal, frisa ela, o indivíduo se adapta constantemente às mudanças no ambiente, estabelecendo, com isso, novos comportamentos. A especialista alerta, no entanto, para os riscos inerentes ao tempo exagerado de exposição a essas tecnologias, especialmente os jogos e a rede mundial de computadores. “Toda vez que há um registro cerebral, ocorre uma forma de aprendizagem. Logo, existem jogos cujo teor pode moldar comportamentos indevidos, capazes de suscitar agressividade”, observa.

Pertencimento e aceitação – O excesso de tempo dedicado ao entretenimento on-line pode levar ao vício e à compulsão. Em setembro de 2021, um adolescente espanhol foi internado pela família em um hospital por ter desenvolvido dependência de Fortnite, um game famoso entre internautas do mundo inteiro. O caso aconteceu na província de Castellon, no Leste da Espanha. A equipe de médicos que atendeu o jovem publicou um estudo sobre o caso em um periódico científico de psiquiatria. Eles relataram que, ao dar entrada no hospital, o adolescente apresentava dificuldades de realizar atividades básicas do dia a dia, como higiene pessoal, e se encontrava com o ritmo de sono alterado. Ademais, até ser internado, ele se mantinha em permanente isolamento, recusando-se a interagir socialmente.

A psicóloga Adjane Keilla de Oliveira Souza Lucena adverte: “A regra de ouro diz que nada pode suplantar a experiência com a realidade” – Foto: Arquivo pessoal

Para a psicóloga Adjane Keilla de Oliveira Souza Lucena, é possível perceber que a utilização dos jogos está fugindo do controle quando a pessoa começa a trocar o mundo real pelo virtual ou se ela dedica muito tempo às suas rotinas on-line. “A regra de ouro diz que nada pode suplantar a experiência com a realidade”, adverte. A especialista salienta que, para muitos, os games não são uma simples ferramenta de entretenimento. Segundo ela, podem existir elementos que levam a pessoa a buscar, na interatividade com a tecnologia, um sentido de pertencimento e aceitação, entre outros aspectos.

Na opinião de Adjane Lucena, a fim de contornar essa situação, é necessário haver um diálogo franco entre os membros da família. Ela frisa, entretanto, que é fundamental toda a casa “funcionar” em comum acordo: os pais não podem impor regras aos filhos na área da tecnologia se eles mesmos se mantêm excessivamente conectados à internet. “As famílias têm sido impactadas por essa mudança de comportamento e precisam estar atentas, tendo bom senso para frear e educar-se mutuamente. Quando as tentativas de intervenção educativas se esgotarem, o próximo passo a dar serão as terapias”, sugere.

Foto: Pexels / Rodnae Productions

Avanços tecnológicos – Aprender a usar a tecnologia de forma benéfica se tornou uma questão que desafiará a sociedade, como um todo, por um bom tempo. É o que pensa o psicólogo Gleyson de Souza Santos, o qual destaca que a administração do tempo deve ser ensinada desde a infância. Ele afirma que os pais precisam estar atentos quanto ao uso excessivo de tecnologia pelos filhos. O especialista, que faz atendimentos clínicos no Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSI) de Itaboraí (RJ), fala por experiência própria. “Há dez anos, as crianças chegavam ao consultório com bolas e bonecas. Hoje, vêm com celulares. Equivocadamente, isso é visto pela maioria dos pais com naturalidade.”

Indagado sobre o uso indiscriminado do aparato tecnológico tão comum em nossos dias, Gleyson Santos afirma que adolescentes e jovens precisam entender que suas escolhas terão implicações diretas na vida adulta. “Disciplina é um forte valor a ser resgatado, sendo necessária na hora de estudar, usar a internet e se relacionar”, alerta o psicólogo, consciente de que é impossível fechar os olhos para a modernidade. Ele lembra que, a tecnologia, quando bem utilizada, gera resultados positivos.

O psicólogo Gleyson de Souza Santos (na foto, com a esposa, Suzana, e a filha, Ana Catarina) lembra que a tecnologia, quando bem utilizada, gera resultados positivos – Foto: Arquivo pessoal

Santos sugere que as pessoas façam uma análise sincera sobre a própria saúde mental. “Às vezes, submeter-se à avaliação de terceiros, como família, igreja ou terapeuta, é essencial”, pondera ele, indicando que, nos núcleos familiares e religiosos, deveriam ser promovidas experiências de socialização primordiais para a formação comportamental das pessoas.

Contudo, em sua opinião, existem cada vez menos espaços de integração que possibilitem conversas profundas e salutares. “Em meio a um cenário em que o virtual está cada vez mais forte, a casa de Deus é o lugar onde precisam ser criadas relações reais de convivência e desenvolvimento emocional mútuo.”

O obreiro João Victor de Jesus observa: “Quando os games se tornam uma dependência, a porta de saída é a oração, o ensinamento e o acompanhamento, ações que deverão ser realizadas de forma sábia por uma pessoa capacitada” – Foto: Arquivo pessoal

Na Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em São José do Rio Preto (SP), a liderança dos jovens está bastante atenta a esse problema. O obreiro João Victor de Jesus, líder do ministério Jovens Que Vencem (JQV) Teens, observa que sua Igreja tem se empenhado em ajudar os jovens que enfrentam problemas com jogos. “Quando os games se tornam uma dependência, a porta de saída é a oração, o ensinamento e o acompanhamento, ações que deverão ser realizadas de forma sábia por uma pessoa capacitada.”

A fim de melhor orientar a juventude, a IIGD em São José do Rio Preto vem realizando eventos intitulados Papo Reto (para rapazes) e Quarto Rosa (para moças), em que são abordados alguns temas específicos da atualidade. “A ideia de dividir em grupo por gênero visa deixar as pessoas mais à vontade para falarem”, destaca João Victor.

O assessor jurídico José Teodoro Vilaça da Rocha alerta: “Há pessoas que não navegam na internet, elas naufragam. Quem a usa com sabedoria sabe por onde navegar, e não será dominado por qualquer situação. É preciso entender que o tempo perdido não tem como ser recuperado” – Foto: Arquivo pessoal

Reino de Deus – O assessor jurídico José Teodoro Vilaça da Rocha, 23 anos, obreiro e líder de jovens na Igreja da Graça em Barreiro, Belo Horizonte (MG), acredita ser necessário apresentar ao jovem o que é realmente importante. “Há pessoas que não navegam na internet, elas naufragam. Quem a usa com sabedoria sabe por onde navegar, e não será dominado por qualquer situação. É preciso entender que o tempo perdido não tem como ser recuperado.”

Na opinião de José Rocha, não há melhor forma de usufruir da juventude do que se dedicando à causa do Reino de Deus. Entretanto, salienta que tal escolha dependerá do amor e do prazer que o jovem tem em servir ao Pai. “Quando, em nosso coração, nasce realmente a sede de conhecer mais o Senhor, nós O amamos com toda a nossa alma”, salienta ele, destacando que quem se dedica a Ele é capaz de construir um legado que poderá tocar outras gerações. “Um homem não morre quando para de respirar, mas quando dizem o seu nome pela última vez.”

O Pr. Edclécio Bezerra Vital reitera: “Os jogos não podem afetar nossos compromissos nem atrapalhar nossa vida com Deus, família e amigos” – Foto: Arquivo pessoal

Líder de jovens na sede estadual da IIGD em Belo Horizonte (MG), o Pr. Edclécio Bezerra Vital reitera que não há problema em se divertir com games. No entanto, ele alerta para a maneira como cada pessoa lida com esse tipo de atividade. “Os jogos não podem afetar nossos compromissos nem atrapalhar nossa vida com Deus, família e amigos.” Segundo Vital, quando isso ocorre, é hora de parar.

Além disso, de acordo com o pastor, determinados entretenimentos podem ser inofensivos para uns e prejudiciais para outros. “Portanto, a escolha do game deve ser bem-feita”, observa ele, assinalando que seria prudente os jovens preferirem os jogos com algum tipo de conhecimento proveitoso, tais como games com conteúdo bíblico.

Aliás, para o líder, é possível desenvolver uma estratégia de evangelização a partir do interesse dos jovens pelos games. E, na opinião do ministro, seria inteligente usar esses espaços de entretenimento e de interação on-line para falar sobre Deus. “Como entre os jogadores existem muitos evangélicos, eles poderiam montar um grupo a fim de se aproximarem daqueles que ainda não conhecem Jesus para pregar a salvação”, sugere, lembrando as palavras do apóstolo Paulo: Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para, por todos os meios, chegar a salvar alguns (1 Co 9.22).

O Brasil gamer

De acordo com o Ministério das Comunicações, o Brasil tem uma das populações mais conectadas do globo: 78,3% dos brasileiros têm acesso à internet, tendo mais de 4.500 municípios conectados por fibras ópticas às redes nacionais. Boa parte desses usuários usa a web para jogar, como mostrou a última edição da Pesquisa Game Brasil, divulgada em 2021. Eis algumas tendências entre os brasileiros, segundo este levantamento:

:: 72% da população do país utiliza a internet para jogar.

:: As mulheres são maioria, representando 51,5% dos jogadores brasileiros.

:: Os smartphones são a plataforma favorita dos jogadores, com 41,6% da preferência.

:: 75,8% dos gamers brasileiros dedicaram mais tempo a essa atividade ao longo de 2020 por causa do isolamento social.

(Fontes: Ministério das Comunicações e Pesquisa Game Brasil)


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